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Gestão vaticana

 Dentro dos mais variados pontos de vista, muitos católicos ou não, procuram analisar as reais causas para a renúncia do Papa. Em algo todos concordam, a sua autoridade estava comprometida, em torno de uma certa perda do seu controle absoluto sobre a administração da Igreja, agravada justamente por seu estado de saúde e idade avançada, mas não menos importante também, em cima de aspectos que apontam para certos desvios graves na condução do seu papado e sobre os quais não poderia mais reverter.

 É inegável a necessidade de reformas dentro da Igreja, e mais essencial, uma reforma sobre sua própria natureza institucional, política e principalmente, econômica. Contudo mesmo tendo características próprias de uma organização estatal, o Vaticano procura manter um certo tradicionalismo em sua estrutura institucional de Estado.

 Antes de mais nada, é importante lembrar que o regime de governo no Vaticano é o de uma monarquia absoluta autocrática - por não haver a divisão dos poderes na forma concebida por Montesquieu e estes estarem todos concentrados na figura do papa -, mas de todo modo, ela se dá de forma eletiva, ou como boa parte de seus membros costumam se referir, não como uma democracia, mas como uma comunhão. Com isso apesar de possuir particularidades institucionais peculiares, há muitas semelhanças entre o modo de organização do Vaticano com outras formas de governo e de Estado. 

 Enquanto a maioria dos países europeus são monarquias parlamentaristas, com a figura do rei como chefe de Estado e o primeiro-ministro como chefe de governo, no Vaticano o papa acumula funções de chefe de Estado e líder religioso. A figura do governo é representada pela Cúria Romana na equivalência ao cargo de primeiro-ministro onde é representada pelo secretário de Estado.

Ratzinger e Bertone, a divisão entre a chefia de Estado e de governo no Vaticano
  
 Ao invés de uma Constituição como todos os países, o Vaticano se vale do Código de Direito Canônico que determina toda a organização não somente do Estado do Vaticano, como também dos direitos e obrigações dos fiéis. Apesar de não haver uma assembleia constituinte devidamente eleita para a elaboração do Código, o mesmo se originou com base nos Concílios I e II e também por meio de uma comissão de elaboração do primeiro Código (1917) que levou doze anos até ser promulgado.

 Portanto mesmo que se diga que a Igreja não seja uma democracia propriamente dita, há de uma certa maneira traços de sua estrutura institucional que aludem a procedimentos genuínos de democracias pelo mundo. A própria comunhão, pode ser entendida como uma prática diferente de democracia, que se dá seja pela elaboração de leis canônicas ou mesmo pela eleição de papas por meio de conclaves de cardeais.

 Os cardeais por sua vez, são escolhidos pelo próprio papa mas sem um critério específico ou claro, de como se dá a escolha do nome. Ou se observando como um parâmetro censitário de fiéis atendidos, que de certa forma funcionasse num sistema semelhante ao americano, com representação maior pelos delegados nos estados proporcionalmente maiores em número de habitantes. 

 Nesse sentido parece que não há um interesse de uma representatividade que levasse em conta a expressividade do número de fiéis católicos de determinadas localidades para a nomeação de bispos, arcebispos ou cardeais. E que por sua vez, até mesmo indicasse quando um determinado local pudesse se tornar uma paróquia, diocese, uma arquidiocese ou mesmo prelazia - o que de certa forma estivesse ligado ao titular da autoridade eclesial responsável nas respectivas unidades territoriais.

 Não há dentro de um conceito de grandeza ao número populacional de fiéis, como se comparar sobre a realidade italiana com apenas 50 milhões de católicos possuindo um número de 20 cardeais com direito à voto no conclave, enquanto na América-Latina são 500 milhões de fiéis e uma participação no conclave bem mais inferior. Nessa magnitude desproporcional à representatividade, observamos naquilo o que se entende no mundo contemporâneo como democracia (comunhão) representativa, vindo a Igreja liderando uma desigualdade formidável e dentro desse conceito fica fácil de antever que o próximo papa - depois de pouco mais de 34 anos -, será novamente um italiano.  

 Dentro do âmbito econômico, torna-se preponderante que o Banco do Vaticano - que desde 2009 é alvo de denúncias de autoridades policiais italianas, sob a acusação de lavagem de dinheiro estimados em € 23 milhões (23 milhões de euros) -, comece a passar por auditorias de autoridades monetárias independentes e que para isso, no mínimo fosse subordinado ao Banco Central Europeu (BCE), tendo em vista que a moeda circulante no Estado Pontifício é o euro. Recentemente o cargo de presidente da instituição ficou vago por conta dos referidos escândalos, e foi preenchido através da nomeação de Ernst Von Freyberg. Em nota a Santa Sé, informou que o advogado tem vasta experiência em assuntos econômicos e regulamentação financeira.

Freyberg, novo presidente do Banco do Vaticano
 Auditorias também seriam bem-vindas nas contas do próprio Vaticano, em que apontam para um déficit fiscal de US$ 18,4 milhões (18 milhões e 400 mil dólares), que se devem a despesas essencialmente com pessoal que somam 2.832 funcionários. Mesmo assim é difícil de se imaginar com todas as dioceses do mundo inteiro remetendo recursos para lá (sem impostos), de que esteja havendo problemas na gestão do que é arrecadado - fora aquilo que é auferido com o turismo no complexo de 'Museus do Vaticano'. Em 2011 as remessas diocesanas somaram US$ 32,1 milhões (32 milhões e 100 mil dólares) - 17,5% à mais que o ano anterior.

 Mais uma vez a desigualdade emerge, contudo sob o ponto de vista da gestão dos recursos que são arrecadados não apenas para a manutenção de templos, e que se dão também para as obras de caridade da Igreja, quando praticamente se observa a ausência de um programa de redistribuição deles nas localidades mais carentes do mundo, onde a Igreja Católica mantém trabalhos sociais.

 Muito mais que uma luta pela preservação do conceito tradicional de família, contra o aborto ou todos os temas que escandalizam nossa sociedade - por mais que a mídia exponha diferente -, a Igreja precisa passar por uma auto purgação para restabelecer a sua legitimidade para enfim poder cobrar do mundo aquilo o que não oferece: transparência e lisura na condução dos seus trabalhos como instituição de fé.        

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