Pode parecer contraditório, mas depois da queda do Império Romano que se configurava como uma estrutura estatal forte e centralizada e que ruiu por conta da imensidão do próprio império e das dificuldades administrativas e de manutenção de tropas para a defesa das fronteiras, ocorre um lento e gradual processo de formação de novas nações. Assim com o surgimento de novos povos e as constantes e iminentes ameaças de invasão de outros, surge-se a necessidade de proteção e do direito do uso da terra com segurança, desde que a maior parte da produção fosse dada em troca dessa segurança.
Tínhamos aí uma fragilizada presença do Estado, tendo em vista que cada região do território (feudo) desse mesmo Estado, tinham suas próprias regras, suas próprias leis, seus próprios exércitos, seus próprios impostos, pesos e medidas e por fim, sua própria moeda. Tudo girava muito mais em torno do dono do feudo, do que da figura do próprio soberano, no caso, o rei. Havia então uma espécie de federação de feudos que formavam o maior deles: o reino. O rei por sua vez, quase nunca poderia interferir neles, só recebia sua parte nos impostos. Ou seja, vastos territórios onde os seus governantes locais eram na verdade seus próprios proprietários. Tudo lavrado através de um pacto formal e solene de suserania e vassalagem que determinava a hierarquia social que era intransponível onde envolvia a todos, nobres e plebeus.
No Brasil tudo começou com as Capitanias Hereditárias que não deram certo em seu objetivo real, mas que em sua essência patrimonialista se manteve nesse contexto. Mais tarde ressurgem com uma nova divisão territorial e política das Capitanias, que dariam origem aos atuais estados federados brasileiros, e aí sim, com propriedades rurais sem as vicissitudes dos antigos feudos, mas com densa utilização de mão de obra escrava africana, em invés dos vassalos da Europa medieval e do forte predomínio latifundiário.
Mas voltando à realidade européia daquela época, com o fortalecimento das atividades econômicas dentro dos burgos (cidades medievais), e o consequente enriquecimento dos 'burgueses', surge a necessidade de uma centralização do poder em torno do rei e tendo os burgueses adquirido certo poder de lobby com a realeza e consequente maior peso nessa centralização do poder do rei, visavam o concomitante desejo dos mesmos, de uma laicização das relações do Estado com a Igreja, um ambiente de negócios mais propício, já que a estrutura feudal que sustentava as monarquias tinha como base, um Estado muito fragmentado nas mãos de senhores feudais, cada qual com suas regras, sistemas de pesos e medidas, além da cobrança de pedágios às caravanas de mercadores. Uma estrutura de poder que poderia ser perfeitamente substituída pela dos burgueses e que por sua vez, daria sustentação política às monarquias de então.
Houve reformas no âmbito judiciário, fortalecendo os tribunais reais, a formação e o treinamento de uma burocracia profissional, encarregada de administrar e de fazer cumprir as determinações do soberano e suas leis. Para manter toda essa organização, foi necessário monopolizar a arrecadação de impostos, até então, cobrados de maneira descentralizada pelos senhores de cada feudo, e ainda a criação de moedas de ampla circulação por todo o território dos Estados modernos, isto é, a introdução do monopólio da força legítima. Tudo muito natural, até que o poder absoluto do Estado moderno começa também a incomodar a elite burguesa, surgindo questionamentos por conta da carga tributária imposta e a vida dissoluta e estravagante das cortes, que dos feudos, passaram a viver nos castelos, por questões de hereditariedade fidalga, até implodir nas revoluções burguesas e destituições de monarquias.
Nessa síntese histórica podemos observar que o liberalismo sob as mais variadas visões, se faz sensível mesmo em ocasiões contraditórias do ponto de vista contemporâneo em que o Estado se protagoniza apenas como mediador ou regulador, nada além disso. Sendo que a vanguarda do neoliberalismo vislumbra o equilíbrio natural de forças nas leis de mercado com o descolamento da atuação do Estado nesse meio. Isso, sem a figura do Estado, é impossível, e a história está recheada de exemplos alusivos à isso. Sem ele, estamos fadados ao liberalismo feudal, sob o manto da modernidade da terceirização ou da privatização de serviços públicos.
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