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Momentos

Extraído da Coluna de Roberto Rodrigues
da Folha de S. Paulo


A fragilidade dos modelos de segurança alimentar implementados em todo o mundo ficou exposta pela dura seca que provocou quebra da safra americana de milho e soja da ordem de 120 milhões de toneladas -quase a totalidade da safra brasileira desses dois produtos.
Internamente, o governo americano está às voltas com uma complicada questão: os setores que usam o milho para alimentação humana ou animal estão pressionando o governo para reduzir os incentivos à produção de etanol, que consome 40% da safra de milho.

Até a ONU, preocupada com o encarecimento dos alimentos, entrou nessa linha. Se o governo Obama aceitar as razões invocadas por esses setores, terá de importar combustível fóssil, caro e poluente, com consequências negativas para a sociedade americana. Se não aceitar, carnes e lácteos ficarão mais caros.

Por outro lado, os elevados preços do milho e da soja estimulam produtores desses grãos no hemisfério Sul, que já se preparam para plantar grandes safras.

Enquanto isso, os produtores de frangos e suínos daqui, não conseguindo repassar as altas de custo aos consumidores, reduzem a criação de pintos e de leitões. Estaremos, então, importando uma inflação sobre a qual não temos responsabilidade, uma vez que produzimos o suficiente para nosso abastecimento e grandes sobras exportáveis.
Que lições tirar desse drama?

Em primeiro lugar, que a discussão sobre segurança alimentar é precária, porque centrada só em sua "perna" do abastecimento. Governos se preocupam com ela, porque é ela que dá votos: povo abastecido não cria problemas. Mas esquecem que não há abastecimento sem a outra "perna", a da produção. Esta nunca é olhada com a mesma atenção -sempre fica no ar a sensação de que "alguém" vai produzir o suficiente, e não é assim. Políticas públicas são necessárias para um setor tão sensível a um fator incontrolável como o clima.

Estoque de segurança é outro tema delicado. Estoques deprimem preços, porque o mercado, sabendo de excedentes, não valoriza os produtos. Financiá-los é dever de governos e da governança global.

E países como o nosso deveriam aproveitar esse desastre e negociar um plano de longo prazo que nos permitisse avançar sobre os mercados com aumento de produção de carnes e de etanol. Mas não só para aproveitar este ano de crise, e sim com um projeto estratégico que considerasse a sustentabilidade produtiva para mais de uma década.

Não parece que essa visão esteja presente entre nossos formuladores de políticas. Ao contrário. Em recente seminário no GVAgro sobre gestão territorial agrícola, o pesquisador da Embrapa Evaristo Miranda disse: "Nos últimos 15 anos, um número significativo de áreas foi destinado à proteção ambiental e ao uso territorial exclusivo de populações minoritárias. 

Parte dessas iniciativas foi feita sem o conhecimento de seu real alcance territorial. Hoje, as áreas protegidas abrangem 30% do Brasil. E a área ambiental reivindica a proteção adicional de quase 3 milhões de km². A demanda de novas terras indígenas é da ordem de 100 mil a 150 mil km². As demandas para atender toda a reforma agrária são da ordem de 2,3 milhões de km². Além disso, cerca de 5.000 comunidades quilombolas reivindicam aproximadamente 250 mil km². Finalmente, a expansão agrícola nos próximos 20 anos também prevê a ocupação adicional de mais 100 mil a 150 mil km². Sem discutir a legitimidade de nenhuma dessas demandas adicionais de terra, consideradas como excludentes, elas exigem cerca de 6 milhões de km² -e não cabem no Brasil. Ou serão amputadas de áreas agrícolas, como vem ocorrendo".

Resolver essas questões faz parte de um programa amplo de avanço do nosso agro, e vivemos um momento oportuno para tal discussão.

 Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor do departamento de economia rural da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Jaboticabal e ex-ministro da agricultura no governo Lula.

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