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E quando os pobres são vítimas da segurança pública?

 Neste feriado de Sexta-Feira Santa, em que os cristãos católicos celebram o sofrimento, morte e ressurreição de Jesus Cristo - que de acordo a uma doutrina, teve sua morte, um sentido muito mais espiritual que propriamente o de um martírio político -, refletir a Paixão no contexto social de um jovem pobre (porém muito inteligente), de 33 anos, morto por trazer uma nova mensagem de amor e perdão em uma sociedade em que fosse possível que seres humanos fossem iguais, ainda parece ser um desafio para poucos.

 Contudo a verdadeira comunhão pregada por Cristo, foi deturpada justamente por aqueles que se dizem seus seguidores. Pessoas com tendências sectárias que valorizam mais aspectos humanos que nos mantém separados do que aqueles que em tese nos uniria. Como na própria figura do Messias manso e humilde de coração, mas que também soube ser implacável para com poderosos que oprimiam a gente pobre de sua época.

Charge que faz associação ao sofrimento de Maria, 
alusiva à obra La Pietà de Michelangelo ao de Terezinha
Maria de Jesus, mãe do menino Eduardo de Jesus Ferreira.
 Com isso, a verdadeira causa para o martírio de Jesus chegou a até mesmo se perder pelos séculos e muitos em nome da fé, chegaram a serem executados por razões muito próximas que a de Cristo. A vida de Jesus foi toda ela marcada por escândalos: Ele fazia questão de escandalizar ao andar com "pecadores" (na verdade, marginalizados de sua época), ou tidas como amaldiçoados por padecerem de doenças incuráveis, demência ou deficiências físicas. Pessoas consideradas indignas pela sociedade. 


 E quem seriam essas pessoas hoje? Tão somente prostitutas? Pessoas "perigosas" e "assassinas" como os zelotes? Os odiosos publicanos, (pessoas da própria etnia que a de Jesus que cobravam impostos em nome do império que os oprimia)? Ou também ainda pessoas com profissões mais nobres (porém humildes), como a de pescadores, mas de gênio forte, revoltadas e indignadas com a vida dura que sofriam?

 Contudo sabemos que pobres, são considerados pobres porque são pobres, e que na chamada meritocracia, 'são pobres porque não se empenharam o suficiente para saírem de seus estados de pobreza'. A pobreza que faz pessoas estarem à margem de qualquer direito garantido em lei, em nossos tempos. A pobreza que aponta os pobres sempre como parte do problema e nunca como vítimas dele. 

 Em nossa sociedade a marginalização de pessoas é algo recorrente, algo tão comum que sempre fez parte da paisagem brasileira. Isso numa população que a qual se declara em sua maioria cristã (seja de orientação católica, evangélica ou espírita). 

 Os rolezinhos de jovens pobres pelos shoppings foi razão de escândalo para a sociedade de classe média, acostumada a ver os pobres em seus "devidos lugares" (algo do qual, Jesus também lançaria mão, caso vivesse em nossos dias?)

 A medida que serviu para se justificar como causa o impedimento a nossos jovens pobres de frequentar shoppings, foi o recorrido tema da segurança pública. Jovens bárbaros de periferia, assustam - não porque sejam perigosos -, mas porque pertencem a uma meio desconhecido e que por tão somente isso é considerado como um meio de pessoas perigosas.

 Afinal, essa também é a razão de ser dos condomínios por meio do conceito de privacidade, comodidade (já que alguns, hoje, oferecem desde clubes de recreação, academias de ginástica, pistas de caminhada a até shopping centers) e..., segurança. Distante portanto das "perigosas periferias", das favelas e das "pessoas más" de bermuda e chinelo que vivem nelas.

 Na sociedade da qual tem se tornado muito comum, protestos por mais transparência, probidade e lisura para com as questões públicas, também passou-se a cobrar das autoridades, ações que corroborem por mais segurança pública. A sociedade de classe média se diz cansada do sentimento de insegurança que tomou conta das cidades brasileiras. 

 Por isso tem se tornado cada vez mais frequente manifestações de pessoas de classe média clamando por mais segurança. Mas e quando os pobres são vítimas da resposta excessiva do Estado para a classe média por mais segurança pública?

 Uma prova disso é a quantidade de inocentes que têm sido vitimadas pela polícia por meio de ações em comunidades humildes cariocas, em supostos confrontos com traficantes que ocorrem justamente em favelas ditas "pacificadas". Ora, se são pacificadas, porque então o confronto com pseudos traficantes?

 A semana que termina e que coincide com as celebrações da Paixão de Cristo, ficou marcada pela morte de um menino de 10 anos. Eduardo de Jesus Ferreira foi morto em uma suposta troca de tiros entre policiais e traficantes no chamado: Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Mais uma "vítima da segurança pública"?

 No entanto há aqueles que por mais cristãos aos quais se declarem ser, não conseguem compreender a associação que o sofrimento de Cristo pode ter a realidades de violência e discriminação que comunidades carentes contemporâneas vivem.  Porém como desassociar as causas que nortearam os algozes de Jesus a executa-lo - ao lado de ladrões -, com o fato de um menino pobre de apenas 10 anos ter sido morto?

 O próprio Jesus, assim também como Moisés (personagens centrais das Páscoas cristã e judaica), escaparam de infanticídios. E o que assistimos cotidianamente é a uma verdadeira guerra contra crianças e jovens que começa pela marginalização e em seguida, criminalização, como supostos fatores que justifiquem suas execuções isoladas e aleatórias, mas que de forma constante, acabam se tornando, execuções em massa. 

 Os pais do menino Eduardo, disseram que o policial ainda teria feito ameaças à mãe e também proferido insultos ao pai da criança, sugerindo que o filho morto era "vagabundo" como o ele.

 Durante o decorrer de toda esta Sexta-Feira Santa, as redes sociais foram invadidas por homenagens ao menino Eduardo e seus pais. Bem ao contrário da cobertura televisiva que deu ênfase ao enterro do filho do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vítima de um acidente com o helicóptero em que estava, também ocorrido nesta quinta-feira (02).

 Alguns posts sobre o menino Eduardo Ferreira, com maior destaque, eram aqueles que associavam a dor da Virgem Maria ao ter Jesus morto em seus braços à dor de Terezinha Maria de Jesus, mãe do garoto morto por pelo PM no morro; outros, chamavam a atenção para o fato de os deputados terem aprovado a redução da maioridade penal na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara, à morte da criança. Enfatizando a desnecessidade da lei, tendo-se em conta, o fato de crianças pobres já serem vistas automaticamente, como criminosas e condenadas à morte. 

 A professora de Eduardo, Bianca Rodrigues, fez questão de publicar um texto em seu perfil de uma rede social, afirmando a docilidade e a pureza do menino, e sua natureza participativa nas aulas. A professora fez questão também de dizer em seu post, que os pais de Eduardo são trabalhadores e estavam sempre presentes no acompanhamento do filho na escola. 

 Outras páginas, essencialmente do Facebook (saindo um pouco, fora deste fato lamentável), deram destaque a chavões de preconceito, muito comuns dentre os críticos aos defensores dos direitos humanos, como na frase: "Tá com dó de bandido? Leva pra casa...", com outra frase dita por Jesus enquanto estava agonizante em sua crucificação, dirigida ao ladrão arrependido: "Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso". Um recado direto para aqueles que não acreditam na ressocialização de detentos. 

 Certamente estas são reflexões que merecem consideração e que deveriam estar na homilia da maior parte dos padres, dentre as celebrações do Tríduo Pascal - período compreendido entre a Quinta-Feira Santa e o Sábado de Aleluia que precede a Vigília Pascal (véspera do Domingo de Páscoa - Ressurreição de Cristo). 

 E o exemplo que viralizou na rede foi o vídeo do arcebispo de Cascavel (PR), dom Mauro Aparecido dos Santos que usou sua homilia para censurar os críticos do bolsa família, do auxílio reclusão e ainda aproveitou a oportunidade, para defender o abaixo assinado promovido pela CNBB, que pede a institucionalização da reforma política no Brasil. 

 Dentre bons e maus exemplos de tolerância, e intolerância, a cena que marca é a do papa Francisco, que lavou os pés de detentos de uma penitenciária em Roma. O gesto mais romanceado dentro da liturgia ou da literatura do Evangelho, de um Deus que se faz servo, principalmente de pessoas consideradas indignas e marginalizadas por isso.  

 Nestes dias houveram protestos na comunidade do Alemão em função da morte do menino Eduardo Ferreira e contra a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), à qual irresponsavelmente tem tratado moradores como bandidos e inimigos do Estado. O primeiro deles, foi violentamente reprimido, porém outros aconteceram após isso. A situação demonstra que as classes mais humildes não têm o mesmo direito de reivindicação e de manifestação que a classe média/alta.  

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