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Crise de personalidade do Estado mínimo

 Modinha moderna para muita gente, o termo "Estado mínimo" vem novamente ganhando o ar da graça dentre os formadores de opinião da grande mídia (que sabem bem o que estão falando), e da opinião pública (que nem sempre sabe). Encantados pelo 'canto da sereia', as pessoas são levadas a acreditar que "Estado forte" seja sinônimo de algo arcaico ou atrasado. A reflexão superficial em torno disso, sem dúvida, é a maior armadilha que um trabalhador assalariado pobre, pode ser levado a cair quando ele mesmo começa a defender a tese liberal preferida do grande capital privado e que só a ele interessa. 

 A pergunta que se deveria fazer é: Estado mínimo para quem?

 O curioso de tudo isso é que justamente, agentes que pertencem ao Estado ou ligados a máquinas estatais, serem parte dos primeiros a defenderem a ideia de que é preciso se reduzir os gastos considerados excessivos das administrações públicas. Isso como forma talvez, de demonstrarem estar sintonizados com o pensamento único predominante da mídia corporativa (à qual curiosamente também, sobrevive da concentração do mercado publicitário governamental). 

 Primeiramente é preciso se compreender que o conceito inicial de Estado mínimo, na ótica de seus defensores, se dá na menor intervenção governamental possível da economia. Porém isso inclui ainda, o corte de gastos públicos em todas as áreas, a privatização de empresas estatais ou a concessão de serviços de infraestrutura pública e redução da carga tributária.

 Contudo, o conceito predileto dos adeptos do que vem sendo chamado de novo liberalismo econômico (neoliberalismo), e viajam em expressões cunhadas há algumas décadas ou séculos, dando-lhes novas e repaginadas roupagens como se fossem atuais, como o termo francês "Laissez-faire" (deixe fazer, deixe ir, deixe passar), ao mesmo tempo que se contradiz com a defesa de saúde e educação públicas de qualidade e ainda, de um justo sistema previdenciário para aposentados.

 É aí que nos deparamos com os equívocos dos discursos ideológicos dissonantes ou das hipocrisias banhadas na desfaçatez dissimulada de quem simplesmente espalha o engano na mente dos incautos.

 Apelando um pouco para o lado religioso disso, tendo em vista que a maioria de nossa população se declara cristã, podemos lembrar das palavras do próprio Jesus, quando menciona que "não se pode servir a dois senhores; pois ou amará mais a um e desprezará o outro". Na tradução posterior disso, Jesus, explica que "não se pode servir a Deus e ao dinheiro" (na figura mitológica do demônio Mamon como descrita nos evangelhos). 

 Usando porém esse adendo bíblico, impossível para os entusiastas do Estado mínimo, sustentarem a defesa de serviços públicos de qualidade, já que Estado mínimo é na verdade a ideia oposta do Estado de bem estar social que predominou sobretudo na Europa do pós-guerra e ainda persiste nos países nórdicos do Velho-Continente e que tem como vitrine, justamente a eficiência do Estado na prestação pública de seus serviços.

 Na esteira de se conseguir um meio termo em tudo isso, o Brasil adotou mais uma medida "jabuticabesca" e criou a figura das Organizações Sociais ou as famosas OSs, às quais se tratam de empresas privadas sem fins lucrativos, encarregadas de administrarem serviços básicos de atendimento à população como, saúde e até, educação. 

 Pelo menos em Goiás, foi vendida como a vedete das ideias para se buscar a tão ovacionada eficiência nos serviços públicos. Mas pelo que se tem notícia, essa eficiência fica comprometida à medida que o governo goiano acumula uma dívida de mais de R$ 200 milhões com as OSs que administram os hospitais públicos do estado. Seria uma excelente forma de se buscar a eficácia no atendimento público de saúde, se as contas do governo estadual já não viessem de um histórico de completa desorganização.

 O discurso de modernização do Estado está por sua vez, ancorado a políticas conservadoras e a nomes conservadores da política. Curiosamente pessoas que sempre tiveram suas trajetórias políticas associadas a fisiologismos, indicações de nomes a cargos e funções públicas e apadrinhamentos, são aqueles em que vira e mexe, adotam o discurso da modernidade do enxugamento e da austeridade para com as contas públicas. Uma simples contribuição em atuações como cabos eleitorais, pode render um emprego em uma repartição ou órgão ligado a qualquer esfera da administração pública, fruto justamente de uma indicação política para tal. 

 Uma prova de que o discurso dessa gente está bem distante de suas atitudes é a prefeitura de Rio Verde: recentemente, um levantamento feito por promotores do Ministério Público estadual, apontou que o município do interior goiano é o campeão na contratação de pessoal comissionado atuando na prefeitura local. Numa realidade em que Goiânia, com pouco mais de 1,4 milhão de habitantes e que dispõe de 1400 cargos frutos de indicação política, enquanto Rio Verde com apenas 210 mil habitantes tem quase 2400 cargos dessa mesma natureza.

 Coroando e entronizando mordomias hipócritas de agentes estatais que defendem o Estado mínimo, temos o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em um simpósio realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defendeu o Estado mínimo e o livre mercado. 

 O fato de o ministro Barroso ter levantado essa questão numa universidade pública, se choca com propostas do ministro interino da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), de limitação a programas de acesso dos mais pobres a universidade, ou a autorização para que as reitorias federais passem a cobrar mensalidades pelos cursos oferecidos em seus campi. Situação que já ocorre na realidade rio-verdense com a Universidade de Rio Verde (Uni-RV), que está sob tutela pública da prefeitura.  

 Seria nobre um discurso como este da parte de um magistrado da instância máxima de Justiça em nosso País, não fosse por um detalhe: os exorbitantes salários, seguidos de generosos adicionais entre auxílios e gratificações que em muitos casos da magistratura, ultrapassa o limite máximo permitido na Constituição Federal, de proventos salariais recebidos por um agente público.

 O embuste e o engodo do ministro Barroso, poderiam ter sido limitados aí, se não fosse pela comprometedora gravação telefônica, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, do ex-diretor da Transpetro, Sergio Machado, e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), onde o presidente do Senado Federal relata que "eles" - os ministros do STF -, estariam "putos" com a presidente licenciada Dilma Rousseff por ela não ter concedido o aumento de 78% para os salários dos magistrados da Suprema Corte de Justiça brasileira, por razões de limitação orçamentária.

 Na mesma gravação também, Renan ainda faz referência a uma conversa tida com a presidente Dilma, que na oportunidade, lhe confidenciou o conteúdo de um encontro pessoal dela, com o presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, o qual teria falado apenas no reajuste salarial de magistrados em meio a turbulenta situação política nacional.

 Portanto o debate antagônico de, 'mais Estado' ou 'menos Estado' é inócuo. O debate antes de tudo, deve se dar no real e verdadeiro papel do Estado; sobretudo do Estado necessário, do Estado eficiente. Só que para isso, não podemos nos ater apenas a sacrifícios vindos da parte dos menos favorecidos, que por sua vez, são levados a crer que a quase ausência do Estado seria um facilitador para a vida de todos em meio a realidade de precariedade com que os serviços públicos nos são ofertados. 

 Nesse contexto, poderíamos considerar alguns memes que observamos nas redes sociais, em que as pessoas são convidadas a morarem nas favelas das grandes cidades brasileiras: onde "o Estado é mínimo e tem intervenção militar todos os dias". Que na última alusão, se refere às constantes abordagens policiais ocorridas nesses locais, muito pouco assistidos por seus respectivos governantes. 

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