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Liberté, égalité, fraternité

 O que é preciso para se conquistar uma sociedade igualitária, social e economicamente justa? Esse foi o questionamento feito pelos revolucionários franceses do final do século 18 em meio a um cenário social de guerras, elevada dívida pública, escandaloso luxo restrito à  aristocracia, a pobreza da maciça e imensa maioria do povo e a escassez de alimentos, num quadro social tão sombrio quanto os rigorosos invernos europeus.

 Todos esses elementos negativos juntos agravada a uma postura ausente e distante da monarquia francesa em relação ao sofrimento do povo, foi o estopim que desencadeou a mais sangrenta revolução da história e que acabaria na morte do monarca, posteriormente de sua esposa e de seu herdeiro ao trono que o pertencera.

 A queda do símbolo da opressão e do cárcere político da época - a Bastilha -, onde pessoas do povo mais oprimido pela dura realidade social agravada pela fome, eram constantemente ameaçados e para onde eram levados caso insurgissem contra a realidade de sofrimento e arbitrariedade da qual eram vítimas. 

 A monarquia absolutista, despótica e aliada à péssima, vacilante e incompetente administração de Luiz 16, em conjunto com a frivolidade e o superficialismo esbanjador da rainha Maria Antonieta, despertava na população francesa da época, os mais repulsivos sentimentos. Assim o símbolo que representava todo o descontentamento popular, foi derrubado tijolo por tijolo, por homens, mulheres e crianças - laboriosamente, porém com muito vigor -, até que não mais pudesse ser usado pela autoridade monárquica como antro de torturas e punições.  

 A revolução eclodiu em apoio do povo à Assembleia Nacional que se viu tolhida pelo monarca ao mandar fechar as portas e impedir a entrada dos deputados na Assembleia. Com esse maciço apoio popular, a mesma se revigorou e assim, promulgou a Declaração dos Direitos do Homem - à qual garantia a igualdade entre os homens e determinava que o rei deveria obedecer à Constituição elaborada pela assembleia em nome do povo. 

 Mesmo sendo uma revolta justa, os desdobramentos da revolução se radicalizaram a tal ponto que a carnificina tomou conta da França que contudo só tomou tal proporção dada a indiferença e o menosprezo do rei e da rainha pelo sofrimento de seu povo. A liberdade de imprensa concedida em mãos erradas, também contribuiu muito para a matança que se deu por meio de um jornal incendiário, cheio de ataques e provocação de propriedade de Jean-Paul Marat - um descontente profissional, cheio de amargura e ressentimento, inflamava multidões a cada possível ameaça contra a revolução que desembocava ainda em mais sangue. Via complôs e conspiração por toda a parte e insuflava a população a sempre denunciar possíveis inimigos da revolução. A solução vista por ele para 'traidores' era muito simples: sangue e cabeças.

  Assim a França se tornara uma monarquia constitucional com o poder do rei sendo limitado a cada lei que assinava, reduzindo sua autoridade até perder totalmente o poder por tentar fugir do país e também a própria cabeça na guilhotina por causa disso. A Igreja Católica também viu seu poder sendo gradualmente muito limitado depois da revolução - até então muito influente sobre as monarquias feudais europeias.


Os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade originados no pensamento da filosofia Iluminista do século 18 - que motivaram homens e mulheres de um povo, movidos por um contido e vitimado sentimento de ódio de classes sociais -, emergiu de forma sanguinolenta exprimida na contraditória busca da liberdade (encarcerando e executando algozes), na forçosa e compulsória igualdade e na total ausência de fraternidade. E isso se mostrou nítido ainda durante os desdobramentos da revolução.

 Passados mais de dois séculos, o poder antes concentrado nas mãos de aristocratas e figuras da alta nobreza que governava como proprietária de regiões e países inteiros e se considerava como que por determinação divina no áureo direito à posse da terra, hoje por incrível que pareça, esse poder não está mais nas mãos de reis, rainhas, presidentes ou primeiros-ministros, mas na expressividade concentradora do poder econômico dos proprietários do capital. Onde estes podem por sua vez também - mesmo não atuando diretamente nas decisões de governo, mas influenciando nelas -, adquirirem a propriedade de governos inteiros, simplesmente por serem credores desses governos. 

 No caso brasileiro os detentores do capital além de serem credores do governo também financiam campanhas eleitorais de políticos - quando não, são eles os próprios políticos -, e assim todas a representatividade no Congresso Nacional se dá numa proporção de 53% composta por empresários que representa apenas 10% da população e outros 47% de uma representatividade aleatória e incipiente que gira ao sabor das conveniências de patrocinadores de suas campanhas eleitorais.

 Se na revolução francesa o povo esteve do lado de seus representantes contra a conspiração do rei em sua tentativa de fechar a Assembleia Nacional, no Brasil o povo não deseja correr o risco de fazer o mesmo pelos congressistas. Mesmo que sem a consciência da existência de uma política de interesses corporatocráticos (governo de grandes empresas) dentro do Congresso Nacional, na visão ingênua da existência de corruptos (políticos que em tese só praticam desvios de verbas públicas) - sem a figura dos corruptores (as empresas ou os empresários em busca de vantagens governamentais, de subsídios de estímulo por pertencerem a setores da economia considerados estratégicos ou ainda contratos de concessões de serviços públicos).

 No Brasil o comportamento entre as instituições se dão de forma totalmente inversa ao da França revolucionária. Aqui por estar envolto em tantos interesses, o Congresso barra uma iniciativa do governo em conceder o direito ao povo de se manifestar e escolher mudar a forma como deseja escolher seus representantes.

 O povo no Brasil que saiu às ruas nem se dá conta da verdadeira causa de suas mazelas. O sentimento de igualdade na sociedade brasileira de hoje se perde na medida em que pequenos ou grandes grupos dentro da sociedade se unem em torno de interesses em comum. Ou mais explicitamente no comportamento da classe média que acredita estar sustentando pobres que participam dos programas de transferência de renda do governo e procura assim, atacar o governo como forma indireta de ódio de classes, dentro de um falso debate político anti-partidário. 

 Interesses de grupos e classes que podem influir ainda em mais despesas àqueles que não fazem parte de nenhum grupo, ou seja, exatamente os mais pobres.

 Seja na França revolucionária dos três estados, ou no Brasil em acelerado processo de evolução, as sociedades serão sempre compostas por grupos (grandes, médios ou pequenos) e sempre girará em torno dos interesses desses grupos e o rateamento da conta em torno de tantos interesses - como mencionado por Celso Ming em sua coluna no Estadão -, é sempre pago por quem não pode escapar da fatura. 

 Liberté, Égalité, Fraternité são conceitos que nem mesmo os revolucionários franceses instituíram na sociedade perfeita que vislumbraram para eles. Vive la France!  

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