"Jesus morreu por nossos pecados"
Essa é a afirmação categórica, um tanto simplista que beira à pieguice inocente e que, claro, visa sempre os fiéis menos instruídos ou atentos. Mesmo aqueles que nem mesmo tentem fazer uma interpretação pessoal da mensagem do Evangelho - prática não autorizada ou recomendada pelo Catecismo da Igreja Católica - e prefira a interpretação enlatada. Para que o fiel, amparado na luz da Palavra, possa enfim, manifestar sua opinião, frente ao que ocorre em nossa sociedade, num comparativo à nossa realidade contemporânea com a dos tempos de Jesus.
Jesus ou Yeshua (em hebraico), como boa parte das pessoas sabem, nasceu pobre - assim como quase todos os protagonistas bíblicos, tais como, Davi (pastor de ovelhas) - num lugarejo chamado Belém e mesma cidade natal de Davi (hoje, na Cisjordânia, no que podemos chamar de: 'Região Metropolitana de Jerusalém'), e que conhecedor e praticante de sua religião: o Judaísmo, identificou certos vícios de um mecanismo de Estado que se poderia classificar de semi-teocrático. Jesus percebeu o quanto a fé, tinha se tornado parte ou a principal atividade econômica, e que servia também de instrumento de dominação política de seu povo. Contudo numa época em que a prática predominante contra os desgostosos e revoltosos era sempre a morte, com Jesus não poderia deixar de ser diferente.
O período do Calendário Litúrgico Católico, conhecido como Quaresma - época, onde o cristão católico, se dedica à reflexão profunda de suas atitudes e penitencialmente procura corrigi-los -, celebra o ponto máximo do cristianismo católico, pois se trata de uma preparação para uma outra celebração ainda mais importante; que é a Paixão (sofrimento) e morte de Jesus, e mais essencial ainda, a Páscoa que lembra a sua ressurreição, ocorrida num domingo. Mas o fiel católico, por vezes, fica perdido em concepções - às vezes -, pobres e infantilizadas, sobre o que de fato levou Jesus à morte.
Como já dito anteriormente, para todo e qualquer insatisfeito manifesto, a solução para os problemas da elite incomodada, era a morte do sujeito. Jesus por sua vez, pregou o perdão, algo impraticável até mesmo por aqueles responsáveis pela doutrinação religiosa de seu povo. Muito mais voltada, à figura do deus ameaçador, egoísta e ciumento, ou ainda a de um deus o qual pregava o sacrifício como condição para alcançar a salvação. Jesus, foi totalmente contrário à isso. Pregava, em vez de sacrifício, misericórdia; em lugar de pregar um deus ameaçador, ele propôs, o Deus da esperança e do perdão; em vez do deus que se serve dos sacrifícios, Jesus expõe o Deus da graça que se faz ele próprio em sacrifício.
Jesus preferiu ficar ao lado dos estigmatizados pelo sistema da época, do que com aqueles de 'vida honrada'. Isto é, ele subverte a relação natural de como as questões sociais eram tratadas em seu tempo. Não por mero protagonismo político, mas tão somente, por justiça. Criticava severamente a conduta dos sacerdotes de sua época, que usavam a religião apenas como meio de controle político de contenção de massas:
1 Depois, Jesus falou às multidões e aos discípulos: 2“Os escribas e os fariseus sentaram-se no lugar de Moisés para ensinar. 3 Portanto, tudo o que eles vos disserem, fazei e observai, mas não imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam. 4 Amarram fardos pesados e insuportáveis e os põem nos ombros dos outros, mas eles mesmos não querem movê-los, nem sequer com um dedo. 5 Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros, usam faixas bem largas com trechos da Lei e põem no manto franjas bem longas. 6 Gostam do lugar de honra nos banquetes e dos primeiros assentos nas sinagogas, 7 de serem cumprimentados nas praças públicas e de serem chamados de ‘rabi’. 8 Quanto a vós, não vos façais chamar de ‘rabi’, pois um só é vosso Mestre e todos vós sóis irmãos. 9 Não chameis a ninguém na terra de ‘pai’, pois um só é vosso Pai, aquele que está nos céus. 10 Não deixeis que vos chamem de ‘guia’, pois um só é o vosso Guia, o Cristo. 11 Pelo contrário, o maior dentre vós deve ser aquele que vos serve. 12 Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado. (Mateus cap. 23 vers 1-12)
Jesus criticava portanto a postura legislativa excessiva auto outorgada pelas autoridades religiosas judaicas de sua época, que chegaram ao ponto de criar outras obrigações ao povo, enquanto outros preceitos da 'Lei' eram esquecidos. Como por exemplo, o ano Sabático - o qual diz que à cada sete anos, tem-se o ano do perdão; perdão em todos os sentidos: desde dívidas até a concessão de alforria a escravos. Pontos da Lei de Moisés sistematicamente, ignorados que visavam apenas o bem estar da cúpula sacerdotal de então. Hoje o discurso predominante em algumas homilias, é a de que na Quaresma precisamos 'assumir a cruz de Cristo'. Mas em qual sentido estaria inserida essa mensagem?
Se Jesus critica o fato de os escribas e fariseus, 'atarem pesados fardos ao povo', o quê parte do clero católico quer dizer quando se refere a 'assumir a cruz de Cristo'? Principalmente, quando temos ao nosso redor, uma discrepância social enorme, quando observarmos o Brasil - Potência econômica mundial (6º maior Produto Interno Bruto [PIB], do mundo) -, quando comparamos o Brasil de um povo atrasado, ignorante e pobre; o qual vive sempre à margem do progresso, por conta da falta de qualificação profissional? Qual seria o conceito em torno de uma recomendação tal como recomendado por alguns clérigos a seus fiéis em 'assumir a cruz de Cristo', para um povo que é sempre preterido dentre prioridades em políticas públicas providas de nossas autoridades constituídas, em detrimento das causas ligadas ao poder econômico?
Talvez inocentemente, nosso clero tenha caído na onda falaciosa da elite do país: de que os males do Brasil, estejam provindo dos pobres; a violência, o tráfico de drogas, a prostituição dentre muitos outros tipos de delitos, que também são classificados como pecados. O fato porém, é que parte dele prefere apunhalar tão somente as vítimas tecendo severas críticas ao comportamento peculiar de drogados e alcoólatras, enquanto traficantes e o mercado de bebidas, o qual movimentam cifras milionárias passam ilesos e quase que sem nenhuma culpa, longe do foco de reflexão dos clérigos.
Muito mais na visão míope de alguns sacerdotes, está o pecado de quem é alcoólatra, do que por exemplo, daqueles responsáveis pelas ricas e lucrativas campanhas publicitárias de bebidas e o quanto os veículos de mídia (principalmente eletrônicos), faturam alto com isso; exibindo ao final de seus comerciais, a hipócrita advertência: "Se beber, não dirija".
É mais ou menos o tom de ameaça farisaico que se evidencia nos discursos clérigos de hoje. Já pensou se o Vaticano resolve declarar guerra à indústria tabagista?
Será que o verdadeiro conceito de assumir a cruz de cristo, não seria posto em prática pela Igreja? E não apenas como um convite ao cristão católico praticante, mas extensivo à toda ekklesia que é tida como os membros do corpo do Cristo?
Ou direcionando essas críticas à uma doutrina econômica que é sustentada por um sacrifício maior da parte de contribuintes pobres em todos os países pelo bem insofismável do mercado de capitais, em detrimento da degradação predatória em que incorre, no fechamento de postos de trabalho e empobrecimento em massa de pessoas?!
'Viva o neoliberalismo'!
O que entender, é que a legítima 'cruz' está na luta em defesa dos menos favorecidos contra a desigualdade de condições em todos os níveis - um discurso pelo qual é sistematicamente negligenciado em boa parte das homilias proferidas por nossos sacerdotes; a qual antes de mais nada, passa essencialmente pelo cuidado dos mesmos em seus discursos proferidos às assembleias cristãs.
Falar das doenças humanas e não falar ou propor meios de cura, do mal em si - não se restringindo apenas à discursos condenando atitudes e comportamentos -, me parece a mais covarde das posturas de um sacerdote. Pois, ao somente apontar os erros passionais ou culpas pessoais de cada indivíduo, evidenciam sintomas de que as endemias mundanas contaminaram e há muito, parte do clero o qual se recusa a refletir razões que levam pessoas ao vício. Preferindo em boa parte dos casos, rotular e estigmatizar a outra parte; que luta no segmento de pastorais, objetivando a atenuação do sofrimento daqueles que são muito mais vítimas do que algozes de si mesmas.
E o reflexo de tantas cobranças, é a queda no número de católicos e o crescente número de ateus. São pessoas que já sentem o fardo do cotidiano de suas vidas pesado demais, preferindo o afastamento total, a terem de ouvir sermões sem necessidade ou nexo para suas vidas, de sacerdotes com alma farisaica.
Mas o pior é a não afirmação dessa parte do clero, em assumir essa responsabilidade. A responsabilidade de que as igrejas estão ficando vazias por conta desse tipo de conduta severa. E usam isso, como mais uma oportunidade de crítica aos 'desviados'.
Portanto um homem que mobiliza massas ao dar pão aos famintos e ainda os nutre e os encoraja a lutarem por uma vida melhor - que não significa necessariamente a tomada de poder pelas armas -, mas tão apenas, buscando o respeito e se fazendo respeitar, e por assim ser: conquistar o título de 'rei', sem disparar uma única flecha ou derramar uma gota de sangue (que não o D'ele próprio), me parece caracterizar, como o que poderia ser rotulado nos dias de hoje, como marxista.
Porém ao contrário Jesus, Marx não acreditava em Deus, e argumentava ainda que a religião era um grande estorvo ou empecilho para a humanidade. Fato que os golpistas de 64, usaram como parte de suas justificativas para o golpe. Atualmente, basta ser um bom defensor da propriedade privada e dos interesses econômicos, e ser ateu é estar na 'vanguarda' da humanidade. Nisso esses clérigos dormem de touca.
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