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O teto de gastos de antes e o de hoje

 Com a proximidade da eleição presidencial, é cada vez mais comum, que candidatos de oposição melhor colocados nas pesquisas de intenção de voto, reforcem críticas com relação ao mecanismo que limita despesas do governo de acordo com a inflação, o chamado teto de gastos.

 Entretanto, parte desses mesmos candidatos, também já foram governo no passado recente, e também adotaram outros mecanismos de controle fiscal para com as contas públicas.

 Tudo começou já com as primeiras medidas que deram respaldo ao Plano Real em 1993, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, criou o Fundo Social de Emergência, o qual na prática, (como dito mais tarde por ele próprio), não tinha nada de social.

 Tratava-se de um mecanismo que retirava percentuais de verbas com destinação fixa, previstas na Constituição Federal para áreas governamentais de atendimento sensíveis à população como: saúde, educação e infraestrutura; algo que inclusive fez parlamentares torcerem a boca no Congresso Nacional, por reduzir gastos do governo com a proximidade do período eleitoral de 1994.

 Esse sistema deu resultados tão bons para as contas públicas, que mais adiante, mudou de status provisório (para quase permanente), e de nome, passando a ser chamado de Desvinculação de Receitas da União (DRU); mas isolado, ele ainda se mostrava insuficiente para conquistar a confiança dos credores privados da dívida pública nacional. 

 Depois na condição de presidente, Fernando Henrique criou a Lei de Responsabilidade Fiscal à qual prevê punições a gestores públicos de esferas federativas menores, que gastem muito além da arrecadação de estados e prefeituras. 

 Foi preciso também a criação de outras âncoras fiscais, que ficaram conhecidas como "tripé macroeconômico", o qual ganhou força com a crise brasileira de 1999 (que foi reflexo de outras crises como as dos Tigres Asiáticos e da Rússia em 1998). Através dele, o governo estipulou metas para a inflação, o câmbio e para o próprio déficit fiscal.

 Nesse contexto, é importante lembrar a verdadeira razão para tanto zelo e rigor no controle de gastos governamentais, o qual bem ao contrário do que muitos pensam, não tem tanta relação apenas para com boas intenções dos governantes em simplesmente trazer as contas sempre para o azul.

 Primeiro é importante lembrar que a arrecadação do governo é sempre insuficiente para cobrir todos os gastos e também investimentos que só os governos fazem (já que a iniciativa privada, não tem apetite para investimentos que demorem muito a dar retorno). Isso não é uma fatalidade que atinge apenas o Brasil.

 Segundo, também é preciso compreender que o próprio mercado de capitais, enxerga o seguimento de títulos públicos, como um grande filão em investimentos, conhecidos no meio por sua natureza, e assim chamados de renda fixa (se contrapondo a outros tipos de investimentos como câmbio, ações e commodities, conhecidos como renda variável).

 E terceiro, para que o governo cubra a diferença que falta entre arrecadação de impostos e suas despesas (chamado de déficit), ele precisa emitir títulos de dívida pública no mercado de capitais e assim captar dinheiro para isso.

 Ou seja, se há demanda por dinheiro da parte do governo, também existe oferta da parte daqueles que desejam auferir algum lucro, emprestando dinheiro para o Estado Nacional, em troca de juros pagos por ele. 

 Através dessa perspectiva, também é preciso haver a compreensão de que se impõe ao governo, a necessidade de tranquilizar agentes financeiros os quais o financiam, através de medidas que controlem o déficit, via redução do gasto público, já que sem isso, dificilmente alguém confiaria em emprestar dinheiro para outrem (visto como quem não tem controle sobre seus gastos), o que por sua vez, tornaria ainda mais difícil, que os credores reouvessem aquilo que aplicaram. 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando ainda ministro da Fazenda, no governo Itamar Franco, criou o Fundo Social de Emergência, como preparação de terreno para o Plano Real. Foi a primeira medida de contenção de gastos criada como mecanismo de controle fiscal - Foto: Reprodução.

 É aí, que entram mecanismos de controle fiscal como o teto de gastos ou a DRU. 

 Portanto, por mais que se critique qualquer um deles, os agentes financeiros sempre exigirão que o governo tome medidas de contenção fiscal (independente da ideologia de quem quer que seja, o qual esteja no comando dos assuntos internos nacionais); pois sem isso, esses mesmos agentes financeiros, somente se disporiam a continuar financiando o governo, com juros cada vez mais caros. 

 Mas a solução fiscal passa somente pelo controle de gastos? 

 Há outros candidatos a presidente porém, os quais afirmam que não, pois a melhora no resultado das contas públicas, também pode ser conseguido via aumento de arrecadação, o qual não pode depender apenas do desempenho do PIB (Produto Interno Bruto).

 Alguns propõem aumento de taxação sobre grandes lucros, dividendos e heranças, além de também, onerar mais artigos de luxo consumidos apenas pelas altas castas da sociedade nacional, tais como salmão e queijos finos importados, helicópteros, iates e jatinhos executivos particulares.

 Essas medidas, de acordo com seus defensores, além de aumentar a arrecadação de impostos e zerar o déficit público, promoveria progressão e justiça tributária, além de estimular o investimento no setor produtivo, com a geração de empregos e renda, o que por sua vez, estimularia o crescimento do PIB, que reduziria o estoque da própria dívida que o governo tem com seus credores.

 Portanto, a redução do nível de dívida seria o melhor dos mundos, mas não é bem medidas como esta, que os credores da dívida pública esperam que o governo tome; o que eles desejam mesmo, é a continuidade de tudo o que já vigora no país há cerca de 28 anos; isso porque no longo prazo, os juros da dívida se reduziriam, pois com a dívida menor com relação ao PIB, o risco de calote seria próximo de zero, bem como a necessidade de o governo continuar captando dinheiro no mercado.

 Só para termos de comparação, a relação do montante da dívida sobre a soma de tudo o que foi produzido pela economia nacional, atingiu 78,5% do PIB em março de 2022; registrando quedas consideráveis desde a eclosão da pandemia de Covid-19, tendo ficado pouco acima de 90%, há dois anos.

 Então, os investidores de títulos públicos preferem correr mais riscos?

 Não é bem isso. No fundo eles sabem que investir na dívida pública nacional, é, e continuará sendo o melhor e mais seguro investimento por anos à fio. O que eles querem na verdade é criar um falso clima de desconfiança para forçar o governo a pagar mais juros por aquilo que toma emprestado de seus credores.

 Além disso, os críticos da atual política fiscal, no entanto, argumentam que essa redução da dívida, só ocorreu pelo fato de o governo ter se valido em gerar alguns superávits primários (que desconta despesas com a própria dívida), se aproveitado ainda da inflação elevada. 

 Por outro lado, os economistas liberais, afirmam que a inflação, (em boa parcela dos casos), seria produto da própria negligência fiscal para com as contas públicas; e se no caso brasileiro atual, as contas públicas ficaram no azul, justamente por causa da inflação, então há um entendimento de que a natureza inflacionária é que foi distorcida.

 E a inflação é outro problema para os investidores dos títulos públicos, pois reduz a lucratividade com os juros auferidos através dos empréstimos feitos ao governo, por meio da aquisição dos títulos de dívida emitidos pelo Tesouro Nacional. 

 Nesse sentido a questão fiscal não é o único meio de pressão que o mercado se utiliza para com o governo e assim conseguir juros mais elevados na remuneração de seus investimentos, que se dá por via da política fiscal (desempenhada pela área econômica governamental); há outro elemento importantíssimo que conta em tudo isso, que é a política monetária (administrada pelo Banco Central). 

Lula enquanto foi presidente da República (2003-
2010) também se utilizou de instrumentos de controle 
fiscal como a DRU e o tripé macroeconômico - Foto:
Reprodução.

 Isso porque outro instrumento de pressão do mercado para conseguir mais juros, se dá pela via do câmbio; pois com o dólar mais caro, tudo de origem importada também encarece, incluindo peças e insumos para a indústria ou a agropecuária. 

 Algo que por sua vez gera inflação e com mais inflação (como já dito), o rendimento dos títulos públicos fica de certo modo, desvantajoso, o que obriga o Banco Central a elevar a taxa básica de juros, melhorando assim, a rentabilidade dos títulos públicos emitidos pelo governo.

 Ou seja, o que se presencia ao redor de tudo o que foi relatado acima, é uma verdadeira ciranda financeira, de ciclos infindáveis que se repetem desde meados dos anos 1990 e que nenhum governo até hoje conseguiu romper. 

 É este o verdadeiro debate o qual deveria estar sendo discutido na sociedade; e não, mecanismos de controle de gastos ou outras pautas de cunho moral ou cultural, que apenas servem para dispersar a opinião pública desse assunto.

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