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"Não pergunte ao seu país o que ele pode fazer por você..."

 A frase proferida pelo ex-presidente norte-americano, o democrata John F. Kennedy pode fazer mais sentido agora do que na época em que o então chefe da nação mais poderosa do planeta a citou, ainda durante o seu discurso de posse o qual inaugurou seu mandato nos anos 1960. 

 O verdadeiro contexto o qual Kennedy se valeu para elaborar tal verdade verbalizada, acabou por se perder um pouco, mas pode ilustrar não somente uma realidade dos Estados Unidos daquela época, como também do Brasil de hoje. 

 Algo implícito (ao qual não pode ser interpretado como genérico), mas direcionado a um seleto grupo no discurso do presidente. Dessa forma, a quem Kennedy estaria direcionando seu discurso com essa célebre citação?

 Para compreendermos melhor essa indagação, podemos recorrer ainda aos escritos bíblicos; mais precisamente o Evangelho de Mateus, no capítulo 40 entre os versos 14 e 30: nele o evangelista relata a parábola dos talentos mencionada por Jesus na qual ilustrou três distintas situações envolvendo negociantes, onde o último deles tentou argumentar sua preguiça através de uma severidade atribuída por ele ao seu patrão, não confirmada nas duas realidades anteriores envolvendo outros empregados como ele, aos quais foram confiadas somas muito maiores de dinheiro para serem administradas.

 Se trazermos tal ótica para nossos dias, veremos alguma similaridade do caso acima com as relações nas quais envolvem agentes de intermediação no mercado de capitais, ou os popularmente conhecidos corretores (também chamados de forma pejorativa de "faria-limers"), e o aspecto no qual seus clientes são tratados conforme os distintos perfis e de acordo com o grau de experiência e longevidade, que cada um deles tem, no trato com as finanças e seus papéis relacionados a todos os tipos de investimentos, seja em renda fixa ou variável ("tubarões" para os veteranos e "sardinhas" para os novatos).

 São esses mesmos agentes os quais trabalham nas corretoras de investimento e que operam no mercado financeiro com o dinheiro de seus clientes, os maiores questionadores sobre o papel do governo naquilo que lhe cabe ao redor das garantias de que honrará seus compromissos para com os investidores de seus papéis. No entanto, tais agentes não o fazem diretamente; para isso contam com o apoio de uma importante parcela de barulhentas personalidades ligadas às estruturas nacionais midiáticas de imprensa. 

 O mercado de renda fixa mais lucrativo para investidores é ainda disparado, aquele relacionado aos títulos públicos emitidos pelo Tesouro, entidade à qual nada mais é que o caixa do governo. 

 Nesse sentido, ainda que as cansativas propagandas das corretoras no YouTube insistam que por ocasião da queda da taxa oficial de juros - a Selic (acrônimo que quer dizer: Sistema Especial de Liquidação e Custódia) - ou a manutenção dela (como ocorrido na última reunião que a definiu por meio da autoridade monetária, o Banco Central), e que por isso, convidam as pessoas a tirarem seu dinheiro da poupança por essa ou aquela razão (além das taxas de corretagem "zero"), indica outro importante e grave gargalo nacional que é a deseducação financeira. 

 O fato das incertezas criadas pelo próprio governo na garantia de que seguirá honrando com o pagamento de juros e amortizações de sua dívida pública por meio dos próprios títulos que emite, através do Tesouro, tem feito os prazos de quitação dos tais títulos públicos de dívida se reduzirem, além de um aumento na taxa de juros ofertada - ainda que a taxa oficial Selic, seja a mais baixa da história.

 Por isso enquanto a Selic está fixada pelo BC em 2% ao ano, o Tesouro tem conseguido se refinanciar com emissão de novos títulos que alcançam o patamar de até 8% anuais, o que pode atrair não apenas mais "sardinhas" a emprestarem dinheiro para o governo, quando optam por comprar os títulos públicos ofertados, como também, os "tubarões". 

 Especialistas de distintas orientações acadêmicas, argumentam que o problema do déficit que afeta sensivelmente na política fiscal do governo, se trate da principal razão para a discrepância entre as realidades da taxa oficial de juros e o que o mercado só se dispõe a "arriscar" por meio da oferta de juros maiores e prazos menores para liquidação de títulos públicos emitidos.

 Ocorre que paralelamente este não é o maior problema brasileiro, mas senão um dos maiores dentre tantos outros também importantes, o que no entanto, não é objeto de abordagem dentre economistas e especialistas mais dedicados ao mercado financeiro, do que à Ciência Econômica como um todo. O baixo nível dos investimentos diretos por meio da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), ao redor de 16% do PIB, indica uma tímida disposição do setor produtivo em promover investimentos diretos nas distintas cadeias produtivas. 

 Através disso, os efeitos da pandemia sobre a economia brasileira acabaram por contrastar o comodismo do setor produtivo em efetuar investimentos nas plantas fabris do Brasil e em suas linhas de produção; o resultado é que por conta das paradas de algumas dessas estruturas, alegadas por razões de saúde pública por conta da Covid-19, desencadeou-se em um sério problema de desabastecimento no restante das cadeias, encarecendo assim insumos e matérias-primas, impactando não somente sobre itens de primeira necessidade ao consumidor final como alimentos, mas também outros setores como o de construção civil. Uma realidade à qual lembra um pouco o Plano Cruzado de 1986.

 Fatores agravados ainda, pela onda especulativa sobre o câmbio, o qual também encarece insumos e matérias-primas importados. Tudo isso quando a capacidade instalada de produção da indústria brasileira, se encontra com cerca de 35% dela na mais completa ociosidade; o que nos remete à contraditória ideia de não haver nenhum sentido quanto à sustentação do atual cenário de desabastecimento interno. 

 O País vive assim, um sério desarranjo econômico o qual não pode ser atribuído apenas ao risco fiscal, mas de uma total desarmonia entre as distintas cadeias produtivas que não se comunicam mais entre si, em nome do livre mercado; e que mais tem a ver com ganância especulativa do que propriamente com regras tácitas vistas sobre o que é chamado de "mão invisível" do mercado, no qual em tese regula as relações entre oferta e demanda, determinando ainda com isso, os preços de tudo o que é produzido.

 Nesse sentido o que se observa é que o lucro vem tendo protagonismo à frente do fator produtividade e a lógica portanto, para manter lucros nas alturas é manter o ritmo de produtividade baixo, para que uma vez a demanda se mantendo constante, os preços continuem em patamares também elevados; este é o fenômeno da estagflação em que os níveis de produtividade caem e os preços aumentam, devido a demanda se manter relativamente estável (ainda que em um nível bem menor, que numa realidade de crescimento da atividade econômica).

 Com uma previsão de queda no Produto Interno Bruto (PIB), na ordem de 5% para este ano, projetada pelo Banco Central na última semana, e uma inflação oficial ao redor de 2,3% *(embora outros índices apontem percentuais próximos de 12 pontos anuais), a economia brasileira portanto, é o retrato fiel de um servo que enterra seu talento e depois o entrega ao seu chefe - sem tê-lo feito render - em que alega tal ato, atribuindo ao patrão, a pecha de alguém rigoroso e severo o qual "colhe o que não plantou" e "lucra o que não investiu". 

Discurso de posse de John F. Kennedy em janeiro de 1961 (foto: arquivo nacional dos Estados Unidos/ jornal O Globo).
 
 O patrão contudo, repreende o mau empregado ao qual lhe diz que poderia ter feito seu dinheiro render em alguma aplicação de banco; estaria aí, Jesus sugerindo se tratar de alguém liberal e dessa forma contrastando com a doutrina católica, à qual há até algum tempo condenava o lucro por intermédio da cobrança de juros, como "pecado da usura"? 

 Se bem que o presidente John Kennedy se tratasse ainda de alguém que professava a fé católica em um país predominantemente protestante como os Estados Unidos, a frase emblemática em seu discurso de posse, pode ter se tratado de um recado curto e grosso para especuladores financeiros os quais colhem sem terem propriamente semeado e lucram onde não exatamente investiram; assim como no caso brasileiro, o qual indica ter havido também, a contaminação da economia real produtiva desde os primórdios da iniciação capitalista nacional, de acordo com a abordagem de Celso Furtado em seu célebre livro: Formação Econômica do Brasil.

 Através disso, se outras frases manjadas às quais muitos do meio econômico gostam de proferir tais como: "não existe almoço grátis" (se faz preciso saber quem de fato o paga); também outra muito conhecida dentre os liberais, como aquela à qual diz: "enquanto alguns choram suas perdas, outros lucram vendendo lenços" (também levanta o questionamento sobre como estes que os fabrica são financiados), em contradição com aqueles que por isso, "choram" (pelo visto, com razão). 

 Tudo porque no "mundo cor de rosa" dos liberais, também existem privilegiados, mas que são convenientemente ignorados para ilustrar um falso livre mercado que só existe no folclore liberaloide; e são eles, (os privilegiados), que almoçam de graça e ainda lucram vendendo lenços.

 Dentro dessas premissas do excessivo zelo pelo rigor fiscalista de alguns dos agentes da literatura midiática na guerra de versões onde o único problema brasileiro parece ser o endividamento público, vale ressaltar a reflexão trazida pelo economista Nelson Barbosa em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, na última quinta-feira (24), em um trecho o qual ilustra como poucos, a pieguice hipócrita daqueles que reduzem o debate a apenas um dos lados da moeda: 

 Para Barbosa, "Segundo os defensores de tal irresponsabilidade, a medida tem por objetivo evitar emissão maior de dívida para gerações futuras. A lógica é, prejudicar a educação e a saúde de gerações futuras para salvar as gerações futuras" (...da dívida; mas não da precarização da educação pública que incidirá em mais ignorância coletiva das massas, e das doenças não tratadas pelo desmonte de um modelo público de saúde). 

 Nessa conotação, mais uma vez citando Celso Furtado, a garantia de que os lucros sigam sendo privatizados e os prejuízos socializados, continua também presente na realidade brasileira, quanto no que se sugere no discurso de posse do presidente Kennedy em janeiro de 1961, onde ele diz que: "não pergunte ao seu país o que ele pode fazer por você, mas pergunte a si mesmo, o que você pode fazer pelo seu país".

 Contudo, talvez devamos nos perguntar: o que temos feito do nosso país, com toda essa economia predatória de guerra, tanto no sentido econômico propriamente dito o qual afeta sobretudo no social, quanto no ambiental - que na verdade é reflexo da primeira? Ainda que o ufanismo tenha tomado conta desse discurso sobre a maximização de lucros em detrimento de mingados níveis de produtividade.

*O IGP-M, índice de medição de preços usado para reajuste de aluguéis já acumula alta anualizada ao redor de 18%; de janeiro a setembro o IGP-M está em 14,40% 

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