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A Igreja quente, a fria e a morna

 O concílio de Niceia no ano de 325 da era comum, marca a fundação do cristianismo "moderno" e o surgimento da Igreja Católica como instituição política organizada propriamente ao fim de administrar os ritos, monopolizando o domínio do Império Romano do Oriente ao redor da fé cristã e logo depois, no lado ocidental do mesmo, sobre a nova religião à qual já nascia forte e portanto bem estruturada. 

 A cidade de Niceia, hoje já não existe mais como tal; em seu lugar vigora a pequena e aconchegante Íznik de aproximadamente 44 mil habitantes, no atual território da Turquia, há cerca de 140 quilômetros da capital turca, Istambul, antiga Constantinopla. Como atualmente o que predomina na cultura daquele país é a religião muçulmana, o catolicismo acabou por se tornar "frio" por lá, migrando assim para sua atual sede, o território do Vaticano de 49 hectares dentro de Roma, antiga capital do Império do Ocidente e atual sede de governo da Itália.

 Em território italiano sim, a Igreja Católica demonstra que ainda está "quente", embora o movimento crescente em torno do ateísmo também esteja em ascensão, não somente na Itália, como em toda a Europa, principalmente entre os países escandinavos, cuja em seus primórdios, eram civilizações de cultos essencialmente pagãos. Já em territórios anglicistas, mais precisamente na Irlanda do Norte (um dos países pertencentes ao Reino Unido, capitaneado pela capital inglesa), os conflitos entre católicos e protestantes, até que arrefeceram, mas que em um passado não muito distante, chegou a provocar mortes e ataques terroristas, liderados pelo grupo extremista católico IRA (Exército Republicano Irlandês), o qual pregava o rompimento com Londres.

 No Brasil, o maior país católico do mundo, apesar de ter fiéis fervorosos na fé, os mesmos possuem a estranha mania de ficarem neutros, quando se trata de temas delicados de nossa sociedade; isto é, a forma através da qual os católicos brasileiros dissimulam sua falta de compromisso com a fé, se dá naquilo que diz um ditado popular nacional lido na condição daqueles que ficam sempre "em cima do muro". Tudo para não serem obrigados a saírem de suas zonas confortáveis e não se envolverem assim com temas espinhosos, tais como posicionamentos sobre a ditadura militar (1964-1985), e o atual controverso governo de Jair Bolsonaro. 

 O mais curioso, é que quando alguns clérigos católicos se manifestam contra o governo, são imediatamente repreendidos e censurados por seus pares ou superiores hierárquicos, dentro de um rigor jamais visto, quando o assunto se trata de casos de abuso e pedofilia, envolvendo sacerdotes. A alegação dos "censores" de batina, se deve ao fato de que à Igreja, não cabe se envolver em questões políticas e que a isenção deve ser preservada unicamente em defesa dos interesses da própria instituição católica em si. 

 Nesse sentido, a fé de uma expressiva parcela do catolicismo brasileiro, pode ser considerada como "morna", uma vez que, se parte dos quadros de tal doutrina religiosa se posiciona contrária ao governo (o qual nitidamente oprime pobres, indígenas, negros e LGBTs); além de esse mesmo governo manifestar verdadeiro desprezo pela vida de seus compatriotas - por não tomar praticamente nenhuma medida de enfrentamento ao coronavírus no País, e escancaradamente defender a violência -, é repreendida por ser contra tudo isso, torna-se imcompreensível tal postura de neutralidade da instituição católica. 

 Mesmo que oficialmente ainda, haja entre os clérigos o discurso de uma certa "opção preferencial pelos pobres (e marginalizados)", existe a caracterização de algo portanto, no mínimo complicado de se entender, sobre o que de fato a Igreja Católica de Roma no Brasil, defende.

Padre Edson Adélio Tagliaferro, sofreu censura da parte de seus colegas de batina e por seu superior direto, o bispo de Limeira, no interior de São Paulo, por ter criticado o presidente Bolsonaro. Diocese ainda emitiu nota lamentando supostos excessos na fala do padre durante sua homilia na missa de quinta-feira, dia 02 (foto: Reprodução/ Redes Sociais).

 O "indeciso" clero católico só não parece ter dúvidas quando questões pontuais e de ordem prática, são diretamente ligadas aos interesses particulares de uma parcela de seus sacerdotes, os quais essencialmente se tratam de gestores de meios eletrônicos de radiodifusão de conteúdo religioso, que chegaram a constranger parte da comunidade católica, ao numa reunião com o presidente da República, reivindicarem patrocínios e verbas oficiais de publiciadade ao governo, para financiar custos de suas emissoras de rádio e TV.

 Contudo os padres e bispos "isentões" da Igreja Católica, podem estar cometendo além da cumplicidade do crime secular de genocídio (passível de punição, conforme as leis brasileiras em acordo protocolar com organismos internacionais defensores dos direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário), o pecado da omissão. 

 Quanto ao referido sacrilégio, o livro de Apocalipse, capítulo 3, versículos 15 e 16 é categórico, no que se refere a atos de omissão e neutralidade visto da parte de alguns cristãos: "Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente! Assim, porque você é morno, nem frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca."

Basílica de Santa Sofia em Istambul, antiga Constantinopla e então capital do Império Bizantino, pode se tornar um templo islâmico, por determinação do governo turco (foto: Reprodução).
 
 O autor da obra bíblica portanto (que de acordo com a tradição cristã, se atribui a João Evangelista, e conforme o cânon cristão foi inspirado pelo Espírito de Deus a escrever tais palavras), compara sacerdotes "mais ou menos", como o vômito, por não serem nem quentes e nem frios; sendo tão somente mornos como o líquido residual excretado pela boca. 

 Nesse contexto, cabe a frase de um clérigo salvadorenho que se tornou santo na Igreja Católica em 2018: para dom Óscar Romero, "se em um país de injustiças, a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com elas"

 Assim sendo, se um padre tomado de indignação levanta sua voz contra um governo sádico e insensível ao sofrimento humano, e logo é censurado por seu superior direto ou por um de seus pares, se faz como um grave sinal de que a Igreja se mantém fiel à agenda dos poderosos, desde o Concílio de Niceia em 325; lugar onde o cristianismo floresceu e depois esfriou. Melhor assim, do que morno comparado ao vômito, tal como acontece no Brasil de 2020.    

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