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Teoria estoicista e epicurismo prático

 No discurso atual, falar dos problemas humanos, na imensa e maciça maioria das vezes, esbarra na pior das facetas das quais se pode fazer uso; a negação da existência de injustiças sociais, visa impedir por meio de ideias latentes, o uso de suas mazelas vividas e partirem daí, à formação de grupos com as mesmas questões em comum.

 Orientadas sob bandeiras políticas de luta, a história já provou por inúmeras vezes, que a união das massas em torno de grandes questões sofridas, pode provocar manifestações, e delas, revoltas ou até mesmo revoluções. Por isso o joguete das classes dominantes, sempre foi primeiro distrair para depois dispersar e dividir por meio de inúmeras maneiras. 

 A corrupção é a forma mais usual para o esfacelamento de facções, com a oferta de vantagens a um reduzido número de pessoas pertencentes, ou a elas ligadas. Assim, fica bem mais fácil controlar motins organizados por um pequeno grupo de líderes, sejam eles em comunidades ou de abrangências territoriais maiores, como paróquias, províncias e países.

 Contudo, não é somente por meio de ações diretas como listadas acima, que se torna possível esse controle. Há formas bem mais sutis para tal; essencialmente na incitação ao individualismo o qual dispersa o entendimento de pertença do indivíduo ao meio em que ele vive, ou de onde se originou. O que provoca a tão propalada falta de consciência de classe.

 Nesse contexto, observa-se situações curiosas de pessoas que não se identificam com o meio de onde vieram, por questões ligadas ao mero sentimento de vaidade, em que se consideram diferentes dos demais (vistos como ralé). É o que pode ser entendido, no mundo dos memes da internet, como "síndrome de Dona Florinda", ou no qual se vê como o pobre de direita.

 Seja por meio da "síndrome de Dona Florinda" (inspirada na personagem do seriado mexicano Chaves - em que a mesma mora num cortiço, mas se comporta soberbamente em relação à vizinhança), ou mais precisamente sobre o pobre de direita, a ideia de busca pela sobrevivência e de superação de obstáculos, move os pobres a aventuras e frustrações.


Subcelebridades do meio religioso, ensaiam mensagens de auto-ajuda, através de ofensas gratuitas contra os pobres, chamando-os claramente de "preguiçosos" em sua definição própria para "medíocre" - veja no link (foto: divulgação).

 Essas definições basicamente estão associadas a pessoas pobres, às quais são persuadidas pelo discurso idealista e ideologizante do capitalismo liberal, a acreditarem, que se pensarem como os ricos, estariam sendo diferenciadas das demais do meio onde vivem e esse comportamento, seria fator em potencial, que as impulsionasse para o sucesso. 

 Convidados a saírem de suas "zonas de conforto" (deixando ainda de serem "medíocres"), a tão sonhada possibilidade de enriquecimento, apenas na adoção de comportamentos que se confundem a falsas noções materializadas de autossabotagem preconceituais, deslumbra pessoas à romantização do empreendedorismo e do ego, que despreparadas, se aventuram.

 São condutas refutativas adquiridas em face ao constante bombardeio midiático, o qual gira ao redor de frases de efeito; onde também, os antigos palestrantes motivacionais (os atuais coaches), lançam mão para persuadir pessoas a pagar por suas consultorias, ou na indução ao erro de subcelebridades do meio religioso, com suas falsas mensagens de auto-ajuda.

 Dessa forma temos discursos que pregam a mortificação dos sentidos, dentro da doutrina católica, à qual embora esteja cada vez mais em desuso, induz na prática, a noção de esforço, trabalho, sacrifícios e dedicação a outros (patrões), que vivem sob fatores muito próximos ao comodismo, que sempre viveram melhor e não abrem mão de seus privilégios.

 Exatamente o inverso do que viveu outras personalidades do meio católico, como Irmã Dulce, cuja canonização (processo pelo qual a Igreja concede o título de "santo" ou "santa", a pessoas que realmente viveram a santidade), está marcada para Outubro. Irmã Dulce já era assim considerada ainda em vida, por seu serviço de caridade e amor, ocorrerem na prática.  

 Seria então, como numa espécie de estoicismo pregado por epicuristas práticos; isto é, duas filosofias conflitantes e completamente opostas providas das mesmas fontes em comum; portanto, estoicos no discurso e epicuristas no uso de todos os prazeres aos quais têm acesso, na pregação de virtudes às quais inspiram possuir, porém muito pouco manifestadas.

 Nesse contexto, temos a pregação involuntária do individualismo, para que se evite a união de massas em torno de problemas vividos em suas comunidades e surjam daí, novas lideranças políticas capazes de propor mudanças profundas no tecido social brasileiro, através de propostas desenvolvimentistas econômicas de inclusão dos mais pobres.

 São formas sutis pela preservação do establishment e do status quo, ofendendo os pobres, atribuindo-lhes suas condições de pobreza, a comportamentos de suposta indolência; como se quisessem subliminarmente afirmar que o fato de serem pessoas bem sucedidas, fossem alegados por meios lícitos e honestos, numa realidade de poucas e escassas oportunidades.

 A ideia de *estoicismo teórico e de *epicurismo vivido, defendida por pessoas que se tornaram bem sucedidas - sabe-se lá, por que meios -, critica ainda as vítimas, rotulando-as como "vitimistas"; na certa, para que não se vejam denunciados como seus opressores e vilipendiadores, indicando a jactanciosidade de sucesso, às custas daqueles que inferiorizam.

 Com isso, por mais que os pobres sejam sacaneados, os detentores da luz motivacional, recomendam sempre que não apelem ao "vitimismo" e nem se façam de "coitados"; e além disso, sacudam a poeira (ignorando ainda que seus algozes continuam fortes e podem novamente preteri-los), apenas na repetição de frases de efeito, como o: "vida que segue".

 Talvez, na melhor das hipóteses e das intenções (do inferno), os estoicistas de gogó e epicuristas de vida prática, entendam ou queiram transmitir a mensagem de que para se atingir o "nirvana" social, primeiro o indivíduo deva sofrer e se comportar serenamente de modo estoico, e depois "lá na frente, viver o desfrute epicurista dos prazeres alcançados".

 Mal compreendem ainda, que muitos optam por vidas modestas e simples e que na verdade, a mediocridade superficial e preconceituosa de pensamento, interpreta isso medianamente como preguiça ou atos peculiares dos indolentes; ignorando que o próprio Jesus o qual muitos pregam, fez essa opção de vida. Afinal a simplicidade pode ser ofensiva aos soberbos. 


*Estoicismo: doutrina filosófica fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C), e desenvolvida por várias gerações de filósofos, que se caracteriza por uma ética em que a imperturbabilidade, a extirpação das paixões e a aceitação resignada do destino são as marcas fundamentais do homem sábio, o único apto a experimentar a verdadeira felicidade (o estoicismo exerceu profunda influência na ética cristã)

*Epicurismo: doutrina fundada pelo filósofo grego Epicuro (341-270 a. C) e seus epígonos, caracterizada por uma concepção atomista e materialista da natureza, pela busca da indiferença diante da morte e uma ética que identifica o bem e os prazeres comedidos e espirituais, que, que por passarem pelo crivo da reflexão, seriam impermeáveis ao sofrimento incluído nas paixões humanas. Por extensão: modo de viver e agir de quem busca o prazer, a sensualidade e a luxúria.

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