É inegável e a olhos vistos que o governo já perdeu as estribeiras em negociar com o Congresso pautas de seu interesse; velhos atores políticos, agora no cargo Executivo e que rejeitam a chamada "velha política", dissimulam o manjado recurso de novas práticas de negociação parlamentar, sem reformas estruturais que deem lastro a isso.
A garantia na eficácia dessa nova maneira de se fazer política, só se daria de forma convincente, caso o governo partisse com propostas que o próprio parlamento já se dispõe a fazer sozinho, que é a reforma das estruturas e da condução das políticas de Estado. O melhor de tudo, é que as propostas da Câmara indicam serem boas para a população.
Começando pela rejeição a pontos duros da reforma da previdência, a aprovação da PEC sobre o orçamento impositivo e que na prática neutraliza a emenda 95 que se refere ao teto dos gastos, os deputados dão um recado claro, de que não se submetem a rótulos ou esteriótipos de partícipes da "velha política" da parte de falastrões os quais somente acusam.
Farpas entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Jair Bolsonaro, sinaliza que o pior já passou e que os parlamentares não estão dispostos a assumir um passivo eleitoral futuro, apenas por caprichos de um governo que só se preocupa em ser ideologicamente correto para com os interesses do mercado de capitais.
Dessa forma, a PEC do orçamento que também promete passar pelo Senado sem muita dificuldade, põe abaixo uma agenda liberal totalmente nociva ao conjunto da sociedade brasileira, dentro de algo positivo configurado no "cabo-de-força" entre o governo e os deputados. Quem ganha é a população e não apenas bancos ou o setor financeiro.
A ausência de destreza do governo em negociar seus projetos com o Congresso - associando a isso, apenas a prática de conchavos fisiológicos (isto é, acusando) -, instigou parlamentares ao revide que só a plena independência entre os poderes, vislumbrada na concepção de Montesquieu, pode proporcionar em ganhos ou na redução de perdas para a sociedade.
Para reafirmar ainda mais a independência do parlamento, a Câmara também discute o reconhecimento de uma dívida de R$ 800 bilhões da União para os estados, o que fulminaria de vez, o condicionamento de apoio dos governadores na mobilização de suas bancadas parlamentares, como moeda de troca em contribuição para com a reforma da previdência.
Na condução equivocada do relacionamento do governo e o parlamento, a recusa do ministro da Economia em ir à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara, para defender a reforma da previdência, se fez como que um "sinal verde" para deputados se sentirem à vontade, já que o governo parece abrir mão de negociar com os parlamentares.
Paulo Guedes que resolveu ir à CAE (Assuntos Econômicos) do Senado nesta quarta (27), disse que sem a reforma da previdência e com a elevação da dívida pública, não continuará no governo. O ministro da Economia disse também que foi aconselhado na não ir na CCJ da Câmara, enviando o secretário da Previdência, Rogério Marinho em seu lugar.
Mesmo na condição de convidado, o ministro Paulo Guedes se portou como se fosse o proprietário do Senado da República, num bate-boca com a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), ao adverti-la para não ser interrompido, ao passo que o presidente da Comissão, Osmar Aziz (PSD-AM), estabeleceu, para que o ríspido ministro respeitasse os senadores.
O pedido de desculpas de Guedes à senadora, veio no final da sessão da CAE, como modo que induz a uma certa humildade forçada que o realismo consciente impõe a membros do governo, ao redor da necessidade que um tratamento cordial alimenta nas relações com o Congresso, para a aprovação de matérias de interesse governamental.
Nessa mesma esteira de impossibilidades de diálogo, a deputada pedetista, Tábata Amaral, protagonizou por meio do embate travado com o ministro da Educação, Ricardo Vélez, outra grande evidência de que a única preocupação do governo é viver de rótulos ideológicos, sem nenhum projeto ou proposta consistente para as distintas áreas de atuação pública.
Portanto, a inquietude do ministro da Educação colombiano é tão somente obrigar alunos a cantar o Hino Nacional do Brasil nas escolas, sem nenhum plano para erradicar o analfabetismo funcional de jovens egressos do ensino público, completamente despreparados para o exigente e também, ineficiente e improdutivo mercado de trabalho.
Com o governo totalmente perdido em conceitos moralistas de ocasião (procurando formas de alfinetar parlamentares), desarticulado, sem um plano de ação e muito menos um projeto de país, os deputados e senadores vão aos poucos, encontrando brechas de atuação que confrontam e denunciam a ausência de tato, confundida como a "velha política".
Na tensa relação entre os poderes, a harmonia institucional se faz abalada não por algo que seja ruim como um todo, mas como parte de um processo evolutivo da democracia, onde de fato agora, um poder questiona e fiscaliza o outro como forma de extirpação dos fantasmas que assombravam a República na troca de favores entre membros das instituições.
A atualização democrática vem gradualmente ganhando força na condução e nas relações institucionais, por mais que o Supremo Tribunal Federal também, se sinta ofendido e incomodado com a possibilidade ainda vigente de uma CPI para investigar o Poder Judiciário no Senado Federal, embora mais uma tentativa para tal tenha sido frustrada.
O Brasil passa por uma revolução nada silenciosa, mas de teor plenamente pacífico, que mais uma vez acontece apenas entre as instituições, sem a participação popular - já que a população foi moldada a ficar alheia do processo democrático. Ainda sim, a possibilidade de ganho evolutivo nessa nova fase do desenvolvimento democrático, é muito grande.
Se com a condução de um Congresso renovado o qual viemos tendo, continuar, poderemos evoluir para uma nova forma de fazer política; uma política institucional onde apesar de pouco demonstrar evidências disso, será mais republicana e menos fisiologista. O incômodo da população com privilégios, indica uma fase de purgação dos pecados institucionais.
Dentro dessa nova retórica programática, ressurge a ideia de institucionalização do parlamentarismo, onde já que o governo demonstra pouca destreza no trato com o Congresso, a melhor saída, seria incumbir essa tarefa a um primeiro-ministro, que caso não seja capacitado, possa ser destituído preservando o instituto da presidência da República.
E nessa confrontação de forças, o equilíbrio entre os poderes também seja da mesma forma compensado, com a prerrogativa presidencial em dissolver o Congresso, convocando novas eleições, nas vezes que o mesmo insistir em se recusar a negociar abertamente com o governo - longe porém de um parlamentarismo britânico com um "rei" que não governa.
Repensar essa correlação de forças nas demais instâncias federativas, é primordial para a consolidação da democracia, na qual reduz possibilidades de que os poderes das oligarquias coronelistas paroquiais se sobreponham ao interesse público e se coloque acima das leis.
Comentários
Postar um comentário