Pular para o conteúdo principal

O mau caratismo de Deus

 Em meio à sociedade dita "de bem", não são poucos aqueles que se declaram seguidores de alguma religião da qual pregue o amor, a paz e a comunhão; no entanto, algo curioso permeia nossa civilização, nada civilizada. Estamos cada vez mais, presenciando atos de intolerância, desconfiança, medo, ódio e até mesmo terror.

 Assim temos os contrastes que refutam discursos politicos (ou religiosamente), corretos, os quais tentam discernir a distinção dos caráteres; de modo que aqueles que não participem de determinados nichos da sociedade como igrejas, movimentos sociais, confrarias ou seitas de orientação mística (de "auto conhecimento"), sejam vistos como "alienígenas" ou estranhos.

*Jean-Paul Sartre, cunhou a frase que resume bem a sociedade, tanto de seu tempo, como da atualidade: "o inferno são os outros".  

 Nesse entendimento, temos os movimentos organizados que adotam a religiosidade como base orientadora para suas coexistências, muito mais como complemento acessório, do que propriamente algo que fosse um fim em si mesmo. Busca ainda confirmar o pertencimento a determinadas classes sociais, evidenciando virtudes que muitos nem mesmo possuem. 

 Portanto, sem que o indivíduo seja detentor de posses ou já pertença a um meio social mais elevado, além de um sobrenome que tenha peso na sociedade em que vive, de nada lhe adianta pertencer a qualquer um desses grupos religiosos. Nessa retórica socialite, pessoas de menores posses embarcam em tentativas que mimetizam comportamentos dos mais ricos.

 Dentro desse contexto, a reflexão trazida pelo *Marquês de Maricá, ilustra exatamente o que sempre predominou na essência da sociedade brasileira, principalmente entre os mais pobres (ou, os não tão ricos assim), que se traduz na ausência de consciência de classes, onde basicamente a classe média pensa que é rica e os pobres, pensam pertencer à classe média.

 Com isso, é comum os pobres não protestarem em relação a seguidas perdas de direitos, por pensarem que tais medidas não os afetaria, temendo a pecha de "vitimistas"; e a exemplo dos abastados, procuram se situar entre movimentos ligados a igrejas neopentecostais ou mesmo católicas nas periferias, porém apenas como modo de reafirmação de seus caráteres.

 Dessa forma, aqueles que não participam de tais irmandades ou confrarias, seriam vistos como pessoas de má fama, passíveis de desconfiança e razão para serem vigiadas; a criminalização como retórica vista entre "cidadãos de bem" contra "pessoas do mal", busca evidenciar o contraste de caráter entre os indivíduos pertencentes à mesma sociedade.

 A concepção de ameaça que permeia entre os auto proclamados "cidadãos de bem" (os quais desconfiam de todos, mesmo em ambientes que a maioria se declare idônea e cumpridora de suas obrigações), gera um clima de reciprocidade negativa nas relações humanas com posturas presunçosas, entendidas como próprias de outras pessoas, do que delas mesmas. 

 São situações que obedecem ao observado pelo filósofo francês, Jean-Paul Sartre: "o inferno são os outros"; mas para que isso seja manifestado é preciso assim, criar condições ou situações de permissividade que testem e atestem (ou não), a comprovação de determinados desvios de caráter dentre os escolhidos para representarem os devidos personagens. 

 Maneiras e formas de se testar o caráter de alguém não faltam, e isso de uma forma ou de outra (em maior ou menor grau de gravidade), é usado como mecanismo de acusação, onde a posição social ou o pertencimento a núcleos de orientação religiosa, podem blindar reputações da exposição moral reservada a uma parte da população - desconsiderada.

 A parte que vive mais precisamente à margem da sociedade, é vista até como maldição ou "leprosos da indecência", que se desviaram do bom caminho e os quais, aqueles que se arriscam a conviver entre eles, correm o risco de serem interpretados na mesma condição que os primeiros; tem-se assim, a prática da estigmatização social que criminaliza os pobres.

 São atos partidos de pequenos burgueses que usam métodos de acusação, como formas disfarçadas de sectarismo e discriminação social aporofóbica, por meios que visem a consolidação de seus próprios caráteres e que na condição de vítimas, acabam legitimando práticas envolvidas em certo teor de sadismo, na satisfação de superioridade proporcionada.

 A síntese dessa reflexão é: para que haja cidadãos de bem, torna-se necessário que os maus elementos também coexistam entre eles, pois somente assim, se poderia haver a distinção entre "bons" e "maus". Porém é nessa latência subliminar que pode se esconder o que há de pior no caráter de um indivíduo, que precisa criminalizar seus pares, para se sentir idôneo.

 Necessita-se ainda, da humilhação aos marginalizados para o entendimento da suposta grandeza moral daqueles que vivem nos elevados círculos sociais, mesclados a movimentos, seitas, confrarias ou entidades, aos quais tomam princípios religiosos como parâmetros de condutas e noções de certo e errado; legítimo e ilegítimo, que embasem confiança.

 Mas em quê propriamente seriam inspiradas essas práticas?

 Para tal, remete-nos ao entendimento judaico herdado pelo Cristianismo no qual tem como origem a figura de Satanás, que etimologicamente nos envia ao entendimento consensual entre religiosos, em seu significado na condição de acusador ou caluniador para "diabo". Dentro desse prisma, a inversão dos papéis, também está numa linha tênue e bastante frágil.

 Segundo a lenda judaico-cristã, Satanás teria sido um "anjo de luz", daí a origem de seu verdadeiro nome, "Lúcifer", que após trair a confiança do Deus Yaveh (transliterado para o português como Javé ou Jeová), foi amaldiçoado, tanto ele quanto seu séquito, sendo condenados a viverem no inferno, expulsos das hostes celestiais por desobediência.

 Nessa concepção teria surgido o propósito da criminalização e da acusação, também como modo usado por Deus para reafirmar sua divindade sobre a possível, porém improvável culpa atribuída a Lúcifer; no entanto a conformidade do consenso religioso, diz que é Lúcifer na condição de diabo, o qual assume o personagem de "acusador" ou "caluniador".

 O reflexo de ricochete teria como premissa, além do desvio de atenções, a legitimação de reputações às custas de desvios que comprometem outras; nesse caso, os religiosos têm como espelho subliminar e latente, aquilo que seria talvez "um bom exemplo vindo de cima", no qual o próprio Deus daria a permissão devida para a prática da desmoralização alheia.

 Foi nesse puritanismo de falso moralismo em torno de bandeiras hipócritas na defesa da família e dos bons costumes, que vemos algumas "ovelhas resgatadas do Senhor" - antes acusadas, agora na condição de acusadoras -, elegerem políticos cuja tendência fascista de ultra direita, se amparam no populismo das frases de efeito, e em virtudes que não possuem.

 Pois é justamente no ato da acusação, que se busca a ocultação de suas desonestidades, e que são nessas atitudes em si, a configuração de suas próprias naturezas corruptas e desonestas. A negação a prerrogativa de uma vida social, como forma isonômica de direito das pessoas pobres, é o que há de mais nojento e repugnante na discriminação social existente no Brasil.

O comércio e os serviços, adotaram a prática da vigilância patrimonial em seus recintos comerciais, como forma de intimidação a possíveis furtos ou mesmo, assaltos a seus estabelecimentos. A medida porém, não visa discernir ameaças em potencial, de simples clientes que fazem suas compras ou se utilizam dos serviços oferecidos; é um meio também de discriminação subliminar contra pessoas vistas em perfis de marginalidade (fotos: marciomarxs.go.br).

 A reafirmação do caráter de uns, em torno da permissividade e da indução ao erro daqueles que vivem em situação de vulnerabilidade social, aos quais beiram conjunturas de vidas promíscuas, impulsiona exatamente de maneira imprópria, os mau-caráteres, que se promovem às custas das desgraças alheias; se passando por bons em cima dos "maus".

*Para o Marquês de Maricá, "nada agrava mais a pobreza que a mania de querer parecer rico". 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rio Verde moderna

 Dando seqüência ao último post, em comemoração ao aniversário de 164 anos de Rio Verde, no próximo dia 05 de agosto, vamos iniciar de onde paramos: a década de 1960, quando relatei que a cidade enfim, inebriava-se num breve período onde a dupla Mauro Borges (governador do Estado) e Paulo Campos (prefeito), inaugurava uma fase onde o centro de Rio Verde passava por sua modernização.   Ruas de terra ou calçadas com paralelepípedo em basalto davam lugar ao asfalto. O paralelepípedo teve uma outra destinação, e foi usado como guias de sarjetas das novas ruas recém-pavimentadas.  Os postes que sustentavam a rede de energia elétrica de aroeira, deram lugar a modernos postes de concreto e uma iluminação pública mais potente ganhava as ruas da cidade. Tudo da energia provida de Cachoeira Dourada.  Conta-se que a primeira rua a ser pavimentada foi a Rua João Belo, (atualmente, Rua São Sebastião no centro antigo de Rio Verde). E o asfalto ficou tão bom, que a necessidade de recapeamen

Um nome estranho; um bairro que nasceu para ser "setor"

Para quem já se 'cansou' de ler sobre a história do nosso município que nesse finalzinho de agosto -celebra seu mês de aniversário-, deve portanto saber, que a chamada "arrancada para o desenvolvimento" de Rio Verde, se deu a partir dos anos 1970.  O certo, é que a cidade seguiu o ritmo do tal "milagre econômico" dos governos militares daquela época. Mas sem dúvida, o que foi determinante em tudo isso, se deu com a fundação da Comigo, no ano de 1975.  Desde o final da década até o início dos anos 1980 porém, a expansão urbana de Rio Verde também sofreu um elevado aumento, sendo que essa situação provocou o surgimento de bairros cuja a única infraestrutura disponível, se deu somente na abertura de ruas e o traçado das quadras.  A especulação imobiliária por parte dos herdeiros de propriedades antes rurais, que margeavam os limites urbanos da cidade, abriu espaço para bairros onde atualmente se verifica sobretudo, a apertura das ruas, em que muitas delas nã

Globalismo Vs nacionalismo e o futuro da humanidade

O mundo sempre viveu conflitos entre interesses privados e coletivos; mas apesar de ser um termo novo o globalismo por sua vez, teve papel preponderante nisso, logicamente adaptado aos contextos de suas épocas.  Antes, na antiguidade, as primeiras civilizações já eram globais e dominavam outras, pela força. Não que hoje os métodos de dominação tenham mudado, porém para isso, se tornaram mais sutis, e não menos violentos.  Desse modo, a sensação de violência sofrida é que pode demorar algum tempo para ser sentida; o que não ocorre de maneira uniforme por todas as populações subjugadas.  Sem falar na corrupção, a maior aliada dos dominadores contra os subjugados. Assim, pessoas do lado dos oprimidos, se veem partidárias de seus opressores, em nome de possíveis vantagens pessoais adquiridas. Alexandre, o primeiro grande conquistador, certamente de modo involuntário, foi o primeiro a difundir o globalismo, através de seus exércitos. Porém, conforme diz sua história, ele teria chorado por n