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A vitimização do opressor

 Todos nós somos passíveis de um dia, mais cedo ou mais tarde, ao sermos levados por algum tipo de intoxicação ideológica (ou mesmo emocional), a proferir besteiras verbalizadas. Portanto, não cabe aqui um julgamento ou apontamento acusatório de condenação prévia da apresentadora do programa noticiário relacionado ao campo e ao agronegócio, de uma emissora de TV do interior de Goiás, no qual afirmou, que aos índios só lhes restam "morrer de malária, de tétano (ou), no parto", porque na concepção dela, existe "um controle natural" dessas populações silvícolas.

 As justificativas para argumentar seu ponto de vista se fizeram como emendas que se saíram ainda piores que o soneto, quando numa tentativa tresloucada em defender o 'Agro', na crítica relacionada ao samba-enredo da Escola de Samba, Imperatriz Leopoldinense como tema do Carnaval carioca deste ano, argumentou que aos índios só estão reservados seus próprios recursos, amparados no conhecimento centenário do curandeirismo e no uso de remédios naturais, já que a ideia parte do princípio da preservação ambiental e que por isso também, deveria ser aplicado ao modo de vida primitivo indígena.


A então presidente da Comissão de Direitos Humanos 
(CDH), do Senado Federal, senadora Ana Rita (PT-ES),  
conduz trabalhos de sessão da comissão, realizada 
na Câmara de Vereadores de Rio Verde, em outubro 
de 2013, à qual apurou o incidente envolvendo o avião
agrícola que intoxicou pessoas de uma escola rural   
município, pulverização de uma lavoura próxima
(Foto: Câmara de Vereadores de Rio Verde).
 Acontece que o modo de vida primitivo dos índios, foi contaminado justamente também de forma inicial, com o contágio de doenças trazidas pelo homem branco no ato de colonização das Américas. Etnias indígenas inteiras foram dizimadas por tão somente terem tido contato com o homem branco a curtíssimas distâncias, como é o caso dos índios Guayazes, os quais deram origem ao nome do estado de Goiás (justamente onde se deu tão infeliz pronunciamento televisivo em editorial).

 Ao procurar dessa forma, elevar o tom de importância do agronegócio em face do que é visto em seu caráter produtivo - e em função também do oposto no que é entendido como próprio da indolência indígena -, a nobre apresentadora não quis fazer o contraponto dos erros e das falhas que o setor ruralista vem cometendo em nome da "privatização de lucros e da socialização dos prejuízos". Em vez disso, buscou acentuar o que pode ser entendido como a "infalibilidade" do agronegócio, dentro da jactância de algo romanceado em um suposto heroísmo por conta dos desafios enfrentados no cotidiano daqueles que produzem através da terra. 

 Um tom sublime que tem como intenção, induzir as pessoas a crerem que os grandes produtores rurais sejam eles próprios, aqueles que estariam diretamente envolvidos com a lida no campo, na operação de máquinas e implementos agrícolas ou no acompanhamento técnico de correção de solos e controles de pragas e fungos; enfrentando intempéries climáticas e demais desafios peculiares das atividades agrícolas e indiretamente descartando portanto, a figura do peão de roça (o verdadeiro responsável direto no trato operacional dentro do cuidado obsequioso relacionado ao campo). 

 A apresentadora ignora também, as facilidades que a própria tecnologia oferece aos agentes rurais na atualidade, e que propicia a tão propalada e bem sucedida produtividade agropecuária nacional. 

 Porém o tema do samba-enredo da Imperatriz, não se atém somente a questão do índio, vai muito além do que isso e estabelece ainda, uma abordagem sobre a preservação ambiental e também social, aonde as demais populações rurais de forma genérica, também sofrem em face da arbitrariedade com que são tratadas. 

 Tais como flagrantes de trabalho análogo à escravidão, como no caso das fazendas do Grupo Ypagel entre os municípios de Rio Verde e Montividiu em 2012, em que os fiscais do Ministério do Trabalho (MTE), constataram instalações de alojamento para trabalhadores em condições extremamente desconfortáveis, aonde os mesmos dormiam entre morcegos e ratos. Foram ao todo resgatadas 24 pessoas em três fazendas pertencentes ao grupo empresarial agrícola, conforme apurado por Daniel Santini, do Repórter Brasil e também reportado por Leonardo Sakamoto em seu blog.

 Ou mesmo ainda em vista da prioridade dispensada pelos produtores rurais na contratação de empresas especializadas no controle de pragas das lavouras; como no caso dos alunos e professores de uma escola rural do município de Rio Verde, na localidade conhecida como Assentamento Pontal dos Buritis, que foram vítimas de intoxicação após a lavoura próxima à escola do assentamento rural, ter sido pulverizada por um avião, no ano seguinte ao flagrante de trabalho análogo escravo, nas fazendas do Grupo Ypagel. O caso teve repercussão nacional que chegou a contar ainda, com a visita da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, na figura de sua presidente à época, a senadora Ana Rita (PT-ES).  

 Difícil não deixarmos de associar também, os inúmeros casos de câncer verificados em Rio Verde, que podem estar relacionados por isso, à contaminação do ar ou de mananciais aquíferos que abastecem as residências no distrito sede do município; o que tornou rotineiro o encaminhamento de pessoas para  tratamento em centros oncológicos especializados de cidades relativamente próximas em outros estados. Sendo também, algo que possa estar relacionado às atividades agroindustriais frigoríficas ou de processamento para extração de óleo de soja, aonde o uso de insumos químicos pesados é muito comum. 

 Contudo o que se observa por conta da onda reacionária conservadora ruralista em torno do tema do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, se caracteriza pela extrema dificuldade com que o setor agrícola recebe as críticas e expõe ainda, o que sempre ditou a tônica arbitrária dos grandes proprietários rurais, os quais nunca quiseram em vista desse comportamento, reconhecer erros e principalmente ainda, procurar corrigi-los. Pelo contrário, o Agro conta agora, com porta vozes midiáticos os quais expõem, ainda mais boçalidades e desinformação.

 Ao procurar por isso, enfatizar somente qualidades vistas pelo lado dos grandes produtores agrários e marginalizando ainda mais, suas verdadeiras vítimas, a apresentadora de TV escolheu o lado mais forte e por isso buscou expressar a vitimização do opressor. 

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