Desde o ano de 1980, o Brasil parece ter descoberto a receita que impõe o severo fardo da pobreza a milhões de brasileiros; trata-se de uma realidade que se dá em um nível de atividade quase sempre muito perto do piso com preços constantemente pressionados por uma suposta demanda coagida para cima.
Mesmo em situações de desemprego e contração dos salários, onde em tese, os preços também devessem ceder, a realidade comportamental entre os agentes: produtivos, de intermediação e comercialização parece não obedecer à essa lógica.
De acordo com especialistas, isso se deve exatamente pelo fator produtividade per capita, ser muito baixo entre trabalhadores no País.
Por meio dessa realidade o empresário é sempre forçado a cair na "armadilha do corte de custos" em uma realidade onde a demanda está sempre reprimida e o risco de novos investimentos devido às constantes incertezas econômicas.
Ainda dentro dessa dinâmica do corte de custos, o empresariado enxerga a mão-de-obra como obstáculo à maximização de seus lucros. Desse modo, quando enfim conseguem transpor o temor da realização de investimentos em suas linhas de produção fabris, optam pela máxima automação possível, visando a redução do quadro de pessoal.
O mais irônico é que muito desses investimentos são financiados com recursos públicos de instituições financeiras governamentais, a juros subsidiados. Ou seja, o que se vê é uma política keynesiana no financiamento, que jamais gera contrapartidas sociais na geração de empregos de qualidade, estáveis e bem remunerados.
Dessa maneira, as políticas de subsídios, incentivos e ajudas governamentais, se iniciam na "melhor das boas intenções" keynesianas, porém mais tarde, se traduzem na ponta, como no mais cruel e insensível modelo liberal friedmista de Chicago, da velha economia de mercado, onde "só os fortes sobrevivem".
Com a completa substituição da massa laboral pela automação produtiva, não há ganhos de produtividade per capita, o que com qualquer reajuste salarial acima da inflação, termina por gerar novas expectativas inflacionárias, pois a elevação de preços se tornou um mecanismo automático e natural de manutenção da margem de lucros, que compensa reajustes salariais.
O outro lado dessa realidade é que a economia brasileira desde então, passou a ter trabalhadores que ganham péssimos salários e ao mesmo tempo, tem uma remuneração muito elevada frente ao seu baixíssimo nível de produtividade.
Isso nada tem a ver com indolência ou falta de esforço da massa laboral do País, mas pelo próprio atraso dos meios produtivos que impedem que o rendimento médio de trabalho se eleve. Também está relacionado à mentalidade de que a tecnologia não serve para auxiliar o trabalho humano, mas conceitualmente, substituí-lo por completo.
Essa tendência está cada vez mais em evidência, uma vez que com o advento da tecnologia 5G, conceitos como "Indústria-4.0" e de "Internet das Coisas", tem sido cada vez mais debatidos; ou seja, o empresariado começa a enxergar em tais ferramentas, possibilidades de maximização de lucros com a total conversão da força produtiva.
No entanto, esse tipo de tecnologia só parece empolgar alguns brasileiros, quando se trata de algo desenvolvido e importado de outros países. O decreto de fechamento da estatal brasileira de semicondutores praticamente passou icógnito na mídia.
O agregamento de tecnologia ao know-how industrial brasileiro é fundamental para alcançarmos um nível de ponta próprio para nossa indústria e assim também conseguirmos melhores níveis de produtividade por trabalhador, possibilitando melhores remunerações.
Tal desarranjo entre a baixa produtividade, as elevadas margens de lucro das empresas e os salários, tem feito a economia patinar em ciclos contínuos de preços pressionados e baixo nível de atividade onde em situações (como a atual), esses ciclos ficam ainda mais evidentes.
Os choques de ofertas são o argumento perfeito para que mesmo em horizontes com desemprego e massa salarial comprimida, torna a conveniência do discurso, uma forma de engatar reajustes automáticos de preços e manter margens de lucro elevadas, mesmo em situações onde a economia registre recessão, como agora.
Dessa forma o fenômeno da estagflação tem sido constante na realidade econômica brasileira, sem que nenhum dos diretamente envolvidos pela elaboração dessas políticas públicas, apontem uma agenda que vise a correção de tão preocupante situação.
Porém, o discurso que predomina é o uso de situações como a atual, com o registro de aumentos pontuais nos preços, como artifício para a elevação da taxa básica de juros - mesmo com baixíssimo nível de atividade e a aprovação de mais reformas de cunho liberal (conceitualmente surrados e já não tão eficazes).
Concomitantemente tem sido cada vez mais comum, entre economistas de tendências mais progressistas, a discussão de alternativas e caminhos que apontem para a retomada de uma política industrial, capaz de reativar os níveis de produção e de produtividade da economia, necessários para ordenar a relação entre oferta e demanda.
O problema é que essa agenda alternativa termina por ser politicamente contrária ao pensamento predominante, tanto no governo, como na mídia. A agenda sugerida, precisa portanto, de respaldo político, capaz de garantir, não apenas uma política industrial em um único governo, mas a adoção de políticas de Estado, que no longo prazo, oportunize essas necessárias correções.
E apesar de boa parte dos meios de imprensa se declarar opositora do governo, existe a tendência na convergência da agenda econômica do próprio governo com a aquela defendida pela mídia. Algo que compromete muito a isenção e a imparcialidade do debate, contaminado ideologicamente entre os agentes de imprensa.
É o que se vê na completa ausência de debate e discussão sobre o assunto do fechamento da estatal de semicondutores Ceitec (pejorativamente chamada por alguns da imprensa, como a empresa do "chip do boi")
Também existe a parcela daqueles profissionais de imprensa que ainda possuem algum protagonismo midiático e que mesmo, dotados de todo o entendimento correto no diagnóstico sobre a realidade econômica brasileira (persistentemente sem uma solução satisfatória há 40 anos), hesitam em apresentar razões factíveis para a estagnação nacional.
Uma realidade da qual se faz como a principal razão para manter milhões de pessoas condenadas na pobreza, ausentes de perspectivas de que melhorem suas vidas, sem que apelem para meios pouco legítimos para isso.
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Machete de agência de notícias do governo, de um ano atrás, diz que economia brasileira cresceria 2,5% neste ano; com a pandemia, a previsão é de queda do PIB nacional ao redor de 4,5% (foto: CNI) |
Sem mecanismos que melhorem os níveis de produtividade da economia brasileira, os choques de oferta continuarão a determinar o nível de lucratividade com margens artificializadas acima da real capacidade de produção da economia.
Talvez uma política ancorada na oferta de linhas de crédito subsidiadas e disponibilizadas ao maior número de empreendedores possível (mas amplamente monitoradas para que seus resultados sejam perceptíveis na economia e na sociedade), além de mecanismos tributários que inibam reajustes automáticos de preços em situações de crises.
Enquanto isso, qualquer aumento nos salários, com o atual patamar produtivo, servirá para alimentar o vício altista de preços em que as margens de lucros das empresas se mantenham em patamares que cubram o famoso tal "custo Brasil", compartilhado com trabalhadores e consumidores, onde os lucros seguem sendo apropriados e os prejuízos socializados.
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