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Gnose - O Cristo que a humanidade desconhece

Jesus veio ao mundo para morrer? Seu propósito era criar uma religião? Teve mesmo como objetivo formar uma doutrina a ser seguida? Jesus queria ser adorado como Deus? Em pouco mais de dois mil anos, Jesus foi apresentado pelas religiões cristãs, principalmente o catolicismo, como alguém que nem parece arranhar a superfície, sobre sua verdadeira face ou versão. 

Como se sabe, a Bíblia é o livro sagrado dos cristãos; e da mesma forma que a história universal é dividida de modo secular como sendo, antes "da era comum" (anteriormente chamado de "antes de Cristo"), e na atualidade como "era comum" ("depois de Cristo"), a Bíblia também é compartimentada em Antigo e Novo Testamento.

Este último, narra a trajetória dos primeiros passos do Cristianismo com os quatro Evangelhos canônicos, aceitos como válidos pelos cristãos nos concílios (Mateus, Marcos, Lucas e João), os Atos dos Apóstolos, as epístolas de Paulo, Hebreus, Tiago, Pedro, João e Judas (Tadeu), além é claro, o Apocalipse de João.

Jim Caviezel interpretando Jesus ou Yeshua (em hebraico), no filme "A Paixão de Cristo" de 2004 - Foto: Divulgação/ Icon Productions. 

O mais famoso dos concílios, organizado pelo imperador romano Constantino, ocorreu no ano de 325, da era comum (ou seja, depois de Cristo), na cidade de Niceia, hoje Iznik, atual território da Turquia; muitos historiadores, marcam esse feito como a fundação da Igreja Católica, separada portanto, das igrejas ou comunidades cristãs primitivas; além da definição da data da Páscoa. 

A grande questão, hoje trazida tanto por estudiosos, quanto por místicos e exotéricos, contida a partir do Concilio de Niceia na organização da religião oficial do Império Romano, não está no fato dos livros aceitos como canônicos, mas naqueles rejeitados e classificados como apócrifos, onde a partir disso, iniciou-se um período de perseguições a todos que estivessem de posse de qualquer tipo de conteúdo da literatura cristã, considerado herético.

Muitos foram guardados e escondidos para que fossem preservados e um dia encontrados; a iniciativa, provavelmente, visava a preocupação em divulgar a figura de um Jesus mais espiritualizado, iluminado; e não apenas, como fundador de uma doutrina religiosa, institucionalizada pelo Império Romano e muito menos apresentado como "filho de Deus"; além de alguém que simplesmente foi obrigado a sacrificar sua própria vida, pela expiação dos pecados da humanidade.

Rejeitar a ideia de karma e reencarnações também foi decisivo em Niceia, pois Constantino se mostrava inquietado com a possibilidade de que seu poder, já pudesse ser questionado de modo imediato, caso solenemente aceitasse a noção de necessidade de um espírito se reencarnar em diferentes condições, como modo de experienciar ou cumprir dívidas de vidas passadas em situações desvantajosas.

Ao centro, o imperador romano Constantino é retratado cercado por alguns sacerdotes, em que seguram a oração do Credo Niceno-Constantinopolitano, onde todos os dogmas cristãos católicos, são reafirmados solenemente nas missas pelos fieis - Foto: Wikimedia Commons.

A figura de um Cristo moldado segundo as conveniências políticas da época, contrasta muito, com novas versões dos Evangelhos encontrados por volta de 1945 em Nag Hammadi, no Egito, por agricultores que procuravam fertilizantes para suas lavouras, e que por acaso, encontraram vasos de argila, contendo textos de autoria atribuída a discípulos de Jesus, os quais, após serem examinados por especialistas, foram identificados como autênticos.

Ao todo, trata-se de 52 textos entre evangelhos, poemas e mitos, além de filosofias, que incluem visões diferentes sobre Jesus, do que é aceito em consenso nas bíblias cristãs, tanto católicas, quanto evangélicas; a tradução completa para o inglês, foi concluída por volta do ano de 1970 e a publicação, ocorreu em 1977. 

Desde então, os manuscritos de Nag Hammadi, passaram a ser vistos como fontes de estudo para uma outra visão alternativa sobre o Cristianismo, que foge do que é apresentado pela teologia convencional. Neles, um Jesus muito mais espiritualizado e íntimo dos discípulos, é apresentado.

Os diálogos das conversas reservadas são apresentados com toques de sutileza os quais certamente contrastam muito com os textos canônicos presentes na Bíblia cristã; detalhes sobre questões muito mais voltadas para o que hoje é compreendido no meio exotérico, como iluminação espiritual; e não, meras preocupações morais, pecado, culpa ou mesmo, rituais - que nos textos de Nag Hammadi, Jesus rejeita.

Dentre os textos encontrados em vasos de argila no Egito em 1945, os mais destacados são os evangelhos de: 

  • Tomé que contém 114 afirmações atribuídas a Jesus; 
  • Filipe, com uma dinâmica semelhante ao Evangelho de Tomé, também trazendo argumentações de Jesus. 
  • Evangelho da Verdade, de pegada mais filosófica que aborda a realidade, de acordo com a visão das primeiras comunidades cristãs; 
  • Hipóstase dos Arcontes - seres que segundo os gnósticos, possuem aspecto demoníaco e que governariam a Terra.
  • Apócrifo de João, que fala sobre a história da criação 

O evangelho apócrifo de Tomé, é considerado o mais inovador, pois não narra a história de Jesus, seus feitos miraculosos, sua morte e ressurreição; nele, Tomé, retrata um Jesus mais preocupado em ensinar meios de libertar o espírito humano, dos repetitivos ciclos kármicos através da busca da iluminação espiritual. Sendo na verdade, os reais significados de "salvação" e "vida eterna", mencionados por Jesus, nos evangelhos canônicos.

Gnosticismo

Desde que foram encontrados, catalogados e traduzidos, os textos de Nag Hammadi tiveram a clara interpretação dos especialistas, de que se tratava de escritos próprios do cristianismo primitivo, e que após o Concílio de Niceia, foram considerados heréticos; algo que também ficou marcado entre os arqueólogos que examinaram os documentos, foi a percepção de que se trata de procedência gnóstica.

O gnosticismo, foi uma seita entre os primeiros cristãos e que tem sido revigorada com a grande influência da internet em nossos dias; se ampara em conceitos mais filosóficos onde a psique humana é encarada sob um olhar mais espiritualizado e totalmente oposto a concepções doutrinárias arraigadas em pecado, culpa, obediência, disciplina e respeito (a autoridades eclesiais - e não tanto a Deus ou à própria pessoa), além da velha dicotomia teológica cristã entre católicos e evangélicos, de fé e obras.

Os gnósticos acreditam na transcendência do espírito sobre o plano material, como condição essencial para que o ser, enquanto consciência espiritual, evolua ao ponto de não mais ser necessária a sua reencarnação de vida orgânica, no plano físico denso da matéria como o conhecemos.   

De acordo com a gnose espiritualizada, a imagem ou o conceito de Jesus foram totalmente distorcidos para caber em narrativas dominantes, e assim, haver algum controle sobre uma seita considerada perigosa pelo Império Romano em seus primeiros 300 anos de existência; a mesma cuja seus membros ficaram conhecidos como cristãos, em alusão ao modo como foram chamados os seguidores de Jesus Cristo.

Gnose, que dá origem ao gnosticismo, deriva do termo grego "gnosis" e significa "conhecimento" - Foto: Reprodução.

Para os gnósticos, o grande diferencial não está propriamente numa doutrina a ser seguida ou na "fé em Jesus Cristo", mas na ideia de que Jesus, como mestre ou guru espiritual, veio para ensinar técnicas para o alcance da iluminação espiritual de seus seguidores. Essa concepção fica clara no Evangelho de Tomé, onde aspectos muito parecidos ao Budismo nesse sentido, são observadas no texto.

Vale lembrar que muitos exotéricos e espiritualistas, trabalham na ideia de que o "sumiço" de Jesus dos Evangelhos entre os 12 e 30 anos de idade, seja explicado por sua suposta busca de conhecimento espiritual com outras orientações e doutrinas orientais, tais como o próprio Budismo, o Taoísmo e o Hinduísmo, além de algum contato com a seita judaica dos Essênios, de essência mais espiritualizada.

De acordo com os espiritualistas, Jesus teria alcançado a iluminação espiritual por meio de técnicas de meditação aprendidas através dessas filosofias orientais, durante o tempo em que esteve fora do atual território de Israel e Palestina e ser esta razão, o grande choque visto entre seus ensinamentos públicos e as doutrinas pregadas pelas autoridades religiosas judaicas de seu tempo.

Jesus nascido no seio do judaísmo portanto, passou a rejeitar a religião dos judeus ou qualquer outra que pregasse a obediência cega e despropositada a ritos e principalmente, sacerdotes; iniciou a pregação da noção de auto salvação interna das pessoas, por meio da iluminação espiritual, porém isso em específico, de modo mais claro a seus discípulos e seguidores mais próximos; não de forma solene e ostensiva ao público.

O único fragmento do discurso de Jesus mais incisivo ao redor dessa dinâmica espiritualista, está contida no Evangelho de Lucas Cap. 17 Versículo 21, onde ele diz: "o Reino dos Céus está dentro de vós"; algo que para os gnósticos, representa a quebra fundamental da fé, na suposta necessidade em instituições religiosas e sacerdotes, como intermediários entre o sagrado e as pessoas comuns. 

Outra afirmação de Jesus registrada de modo oficial é a passagem de João 10:34, onde em um debate, Jesus questiona líderes religiosos judeus sobre um trecho contido no Salmo 82:6: "Não está escrito na vossa lei: 'Eu disse: Vós sois deuses'(?)".

Isso porque Jesus era acusado de blasfêmia, por se afirmar "deus", mas eis o que é mais revolucionário em tudo isso: Jesus não só se auto afirmava ser "deus", como dizia na intimidade com seus discípulos e seguidores mais próximos, que qualquer pessoa também é, deus. 

A expressão usada pelo deus hebreu, Javé, durante seu diálogo com Moisés no deserto, narrado no livro de Êxodo no Antigo Testamento da Bíblia, se auto referindo ao seu nome como "Eu Sou", trata justamente dessa dinâmica filosófica, suscitada por Jesus - muito bem retratada no filme "A Paixão de Cristo", dirigido e produzido por Mel Gibson em 2004, no ato da condenação de Jesus no Sinédrio.

Na atualidade, a expressão "Eu Sou" é amplamente difundida por aqueles que se alinham energeticamente a Saint Germain, um ser ascensionado aos planos superiores mais evoluídos espiritualmente, conhecido por sua última encarnação, na França revolucionária do final do Século XVIII e que dentre outras de suas encarnações famosas, teria sido José, pai de Jesus.

Talvez por isso, o gnosticismo seja um tipo de orientação espiritual ainda hoje considerada perigosa pelas religiões mais tradicionais; após a Igreja Católica declarar herege a Ordem dos Cavaleiros Templários, em 1307, que antes organizou as famosas cruzadas à Terra Santa, durante a Idade Média, passou-se a associa-los ao gnosticismo, como forma de reafirmação ou legitimação das perseguições das autoridades católicas aos templários, o que de acordo com os registros oficiais, não seria verdade. 

Maria Madalena e Judas Iscariotes

Considerada a primeira iniciada, ou quem primeiro se iluminou entre os seguidores mais próximos de Cristo, Maria Madalena é narrada nos contos gnósticos, como aquela que era mais íntima de Jesus; no evangelho de Filipe, há um trecho que em que Jesus a beija na boca. Esse trecho, foi usado por Dan Brown em seu romance "O Código da Vinci", que também virou filme, protagonizado por Tom Hanks.

Maria Madalena, tem papel central no gnosticismo; aqui interpretada
pela atriz italiana, Monica Bellucci, no filme "A Paixão de Cristo" de
2004 - Foto: Icon Productions/ Divulgação.

A narrativa de que Jesus beijava Maria Madalena na boca, despertava ciúmes nos demais discípulos, que viam no ato, a transmissão de sabedoria divina direta, de Jesus a Maria Madalena, através da boca.

Já o evangelho de Judas Iscariotes, descoberto no início da década de 1970, também em um deserto egípcio, descreve Judas como peça-chave para que o suplício de Jesus acontecesse; nele Judas teria sido instruído pelo próprio Jesus, para enganar as autoridades eclesiais judaicas, fazendo-as acreditar de que estivesse traindo seu mestre. Judas, assim como Maria Madalena, também teria tido mais intimidade com Jesus que os outros seguidores mais próximos.

Enfim, o gnosticismo, dá ao sofrimento e morte de Jesus, um novo significado, onde a ressurreição de fato, não teria acontecido, mas após o chamado Pentecostes, quando os seguidores de Jesus teriam passado por uma experiência sobrenatural onde o Espírito Santo, teria despertado neles, a iluminação interna que os demais ainda não haviam alcançado, para a partir disso, os discípulos terem desenvolvido suas mediunidades e passado a conviver com seu mestre, por nada menos que 11 anos, após sua morte.

São narrativas que mexem em qualquer estrutura mais organizada religiosa em torno da figura de Jesus Cristo e que parecem incomodar muito, autoridades eclesiais e sacerdotes cristãos pelo mundo, até os dias de hoje. 

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