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Porque mesmo atrasado Volkswagen Santana demarca um divisor de águas na indústria brasileira dos anos 1980

No início da década de 1980, as ruas brasileiras eram dominadas por modelos dos anos 1970, tendo a economia sofrendo os efeitos da segunda crise do petróleo de 1979, e seus desdobramentos, como o descontrole da dívida externa e da inflação, além de se tratar dos últimos anos de vigência do regime militar, com o governo do presidente João Figueiredo.

Mesmo com tantos desafios, a indústria automobilística brasileira, ousou trazer modelos globais para o Brasil.

Santana EX 1990 (Executivo), foi o último modelo da primeira geração no Brasil; lançado em 1984, é o primeiro veículo de luxo apresentado pela Volkswagen no país, marcando em 2024, seus 40 anos. Na China essa versão "quadrada", chegou a ser fabricada até 2013 - Foto: Revista Quatro Rodas.

Foram os casos da GM com o Chevrolet Monza em 1982, após atualizações no Opala (trazendo a linha Diplomata em 1980) e da Ford, com o Escort em 1983, dentre as quatro montadoras remanescentes no país, desde o fechamento da Chrysler em 1981, cuja planta industrial de Resende, no interior do estado do Rio de Janeiro, foi adquirida pela Volkswagen para o início de sua produção de caminhões no Brasil. 

Porém, a própria Volkswagen parecia disponibilizar modelos que já não eram mais compatíveis para com os lançamentos realizados por suas rivais, que sobretudo, além da significativa atualização do portfólio de seus produtos, traziam versões mais requintadas e acabamentos melhores elaborados. Com isso, exemplares de luxo também começavam a ser disponibilizados pelas montadoras.

A Ford encerrou a produção de sua luxuosa "banheira beberrona", o Landau em 1983, e para substituí-lo, trouxe uma versão improvisada da plataforma do Corcel, o antigo "Projeto 'M'", herdado com a aquisição da planta da Willys Overland, de São Bernardo do Campo em 1967, feita em parceria com a Renault, e que na ocasião, já era produzida em sua segunda geração, o Corcel II, desde 1978.

Assim, a partir do Corcel, a Ford criou o Del Rey, ainda em 1981, com diferenciais bem mais sofisticados; uma opção mais barata que trazer outro modelo mundial, como o Granada, do Reino Unido para o Brasil (além do já citado Escort).

Já a Fiat, ainda com menos de dez anos no mercado brasileiro, optou apenas por atualizar o modelo hatch "147", trazendo também, o restante da família, com a introdução da station wagon Panorama, da *picape Fiorino (conhecida pejorativamente como "saboneteira") e do sedã Oggi; o próprio 147 também havia mudado de nomenclatura e passado a ser chamado de "147-Spazio".

Foto publicitária em que eram apresentados os distintos modelos do Passat B2 na Alemanha. No Brasil, apenas a versão hatch não foi adotada no mercado nacional pela Volkswagen - Foto: Divulgação.

Restava apenas a Volkswagen, como única das quatro montadoras da época, que ainda apresentava modelos de aspecto um tanto retardatários para aquele período; com quase todos, utilizando a mesma plataforma do Fusca (que basicamente a obrigava na adoção arcaica de uma motorização Boxer traseira refrigerada a ar). 

Somente o Passat, originário da plataforma B1 da Audi, lançado em 1973 na Alemanha e trazido para o Brasil no ano seguinte, o qual também já havia passado por algumas reestilizações, era o carro de perfil mais atualizado da empresa no Brasil naquele tempo.

O lançamento do Gol (estruturado também sobre a plataforma B1 do Passat, que ficou conhecido nos bastidores da Volkswagen como "BX"), foi a primeira tentativa da montadora de substituição do Fusca e do Brasília em 1980, mas que se fez um tanto frustrada em seus primeiros anos, com a utilização de um motor Boxer (refrigerado a água) de 1.6 cilindradas a álcool e de um barulho bastante estranho, o qual lhe rendeu o apelido de "batedeira" (de bolo mesmo).

Gol BX 1980: apesar de ser concebido para substituir o Brasília e o Fusca, ambos os modelos continuaram sendo fabricados pela Volkswagen concomitantes com o Gol até 1982 e 1986, respectivamente - Foto: Divulgação.

Mesmo assim, o Brasília resistiria nas linhas de produção da VW até 1982, além do "velho" Fusca que ainda seguiu firme até 1986; desse modo, os dois modelos seguiram sendo produzidos concomitantes com o Gol -o qual também teve uma família completa com a picape Saveiro, a station wagon Parati e o sedã Voyage, e que chegou a ser exportado para os Estados Unidos, com o nome "Fox". 

Outro grande erro da montadora, foi insistir na reestilização da Variant II em 1977, (produzida até 1981) ainda sob a plataforma do Fusca (e com design de linhas um pouco mais retilíneas, inspirada no Brasília), ao invés de trazer o modelo alemão, de mesmo nome, derivado da plataforma B1 do Passat.

Portanto, o desafio para a Volkswagen era imenso, pois se tratava também, da única entre as grandes montadoras, que não disponibilizava um modelo de luxo no país. 

Assim, a solução foi trazer o Passat de segunda geração, fabricado na Alemanha desde 1981, através da plataforma B2; mas sem a categoria hatch (já que manteria a produção do modelo anterior - B1), optando apenas pelo sedã, que ficou conhecido no Brasil como Santana.

Era o ano de 1984 e a indústria automobilística nacional presenciou assim, um divisor de águas em sua história, com o Volkswagen Santana e a introdução do conceito de "carro completo" (ar-condicionado, vidros elétricos e direção hidráulica). 

Porém, o novo modelo apresentou desempenho ruim, ainda perdendo feio para seus concorrentes, Monza e Del Rey.

Variant II 1980: modelo tardio começou a ser fabricado em 1977, foi descontinuado apenas quatro anos depois; qualquer semelhança com o Brasília, não é coincidência; é mera redução de custos mesmo - Foto: The Garage.

Para um tempo anterior à *Autolatina, o Santana até representava melhor, o título de "sucessor do Ford Landau", no que se refere ao fator luxo, do que o próprio Del Rey, ainda que também naquele ano, a Ford tivesse lançado a versão "Ouro" do Del Rey, a mais charmosa do modelo. 

Em 1985, a Volkswagen trazia a configuração station wagon do Santana, que na Alemanha até hoje é chamada de Variant (mesmo em sua última e atual plataforma B9 -a única remanescente dos últimos modelos do Passat na Europa, já que o sedã foi descontinuado e não é mais fabricado por lá).

Contudo, por estar associado a um modelo ultrapassado no Brasil, a Volkswagen adotou o nome Quantum -a mesma nomenclatura adotada para o Santana, nos Estados Unidos, para o carro que na Europa se chama "Variant".  

O Volkswagen Santana de primeira geração, chegou ao Brasil nas versões CS (Confort Silver - básica de entrada), CG (Confort Golden - intermediária) e CD (Confort Diamont - topo de linha). 

O veículo seguia a tendência de outros modelos concorrentes equivalentes, com painel em vinil e uma variada opção de instrumentos, volante em quatro raios, além de bancos, forros de teto e portas em veludo, além de assoalho acarpetado. Algumas versões traziam até, lavadores de faróis.

Passat B2 alemão na versão fastback que não foi disponibilizado pela Volkswagen no Brasil, acabou se tornando o primo distante do Santana - Foto: Divulgação.

Apesar de não serem a preferência nacional da época, os modelos de quatro portas, disputavam espaço com outros, de apenas duas portas (outra esquisitice para um carro que em seu país de origem, não dispunha de tal configuração); mas o bom senso e algum dinheiro à mais na conta bancária, recomendavam sempre a primeira opção, principalmente para a versão CD (topo de linha).

Também em 1985, a Volkswagen introduziu os motores AP (Alta Performance) de 1.8 cilindradas e 90 cavalos de força para exemplares a gasolina e 96 CV para motores à álcool. Procurando corrigir a má fama dos primeiros exemplares que eram vistos como "lerdos".  

Com o acordo automotivo feito entre as montadoras e o governo José Sarney em 1987, houve a reestilização de modelos em que também se previa subsídios à produção e um tabelamento nos preços dos carros. 

Assim, para driblar o tabelamento e reajustar os preços, a Volkswagen aboliu as nomenclaturas anteriores (CS; CG e CD) do Santana e introduziu as versões C (Confort) CL (Confort Luxe), GL (Gran Luxe), GLS (Gran Luxe Super). Este último, o modelo topo de linha, trazia faróis auxiliares retangulares independentes ao lado dos faróis de uso convencional.

Confira abaixo, um comercial do Volkswagen Santana, da década de 1980, onde se buscou evidenciar todos os recursos do carro, raros naquela época: 

No Caso do Gol, outras versões já haviam sido implantadas com o GT (Gran Touring) e GTS (Gran Touring Sport) na adoção de uma nova motorização que o deu mais potência, desde 1986, eliminando o apelido de "batedeira" do modelo BX. 

Em 1988, a montadora alemã traz ao Brasil, o motor AP 2.0, anunciando o novo produto como "Santana 2000", já em alusão futurista ao novo século que se avizinhava naquela ocasião.

Em 1989, a Volkswagen lança a versão "Evidence" do Santana 2000, mais tarde classificado pela revista Quatro Rodas, como uma prévia do Santana "Executivo", lançado em 1990 com injeção eletrônica; o último modelo da primeira geração "quadrada".

O Santana sem dúvida, mudou um pouco a paisagem das ruas brasileiras até o final dos anos 1980, porém não o suficiente para barrar modelos como o Corcel (primeira geração), o Brasília, o Fusca, o VW TL e a Variant (primeira geração - já que a Variant II tiveram poucas unidades produzidas, devido ao seu lançamento tardio em 1977). 

Mesmo porque, o país vivia em regime de hiperinflação, com seguidos planos de estabilização econômica que deram errado e onde as montadoras também brigavam feio com o governo para evitar tabelamento de preços dos seus carros. Mas logo o país se abriu aos importados, o que fez as montadoras locais literalmente saírem da "zona de conforto".

Assim, modelos "saudosistas" da década anterior, ainda eram muito comuns de serem vistos na paisagem das cidades brasileiras. 

Tanto que em outro acordo automotivo assinado com o governo Collor em 1990, o presidente chegou a chamar os carros produzidos pela indústria nacional de "carroças". Isso porém, não gerou tanta repercussão negativa para ele, pois na época, a população concordava com o presidente nessa questão.

*A Autolatina foi uma joint venture fruto da associação das montadoras Ford e Volkswagen que vigorou no Brasil e na Argentina entre 1987 e 1996

* A Fiat inicialmente, disponibilizou a picape 147 (esta sim, conhecida como "saboneteira"), ainda em 1978; depois nos anos 1980, passou a fabricar a picape "City", além da própria Fiorino citada (que era oferecida apenas na versão furgão), na plataforma do 147.  

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