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Produtividade e protecionismo

A economia brasileira padece há décadas, com a junção de duas patologias em sua estrutura produtiva; os baixos níveis de produtividade da mão de obra é um deles, mas não se trata da culpa unicamente atribuída a uma suposta ausência de qualificação de nossos esforçados (e incompreendidos) trabalhadores compatriotas. Talvez, muito mais com escassez de boa escolas para esse fim.

Muito provavelmente este seja o maior empecilho distributivo em nossa cadeia de produção e que afeta sensivelmente na desigualdade social; algo que ocorre essencialmente na indústria e a culpa por isso, de acordo com economistas renomados, mas polêmicos como Marcos Lisboa, seria o excesso de protecionismo e cuidado do governo para com a própria indústria. 

O que Lisboa muito embora queira se referir neste ponto, talvez seja o excesso de mimo dado pelo governo ao setor o qual menos apresenta resultados para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, nos últimos 40 anos. Enquanto que na ponta oposta, o agronegócio vem ganhando cada vez mais destaque com quase nenhum subsídio. 

Assim, é inequívoco que a visão de Marcos Lisboa é sistematicamente coerente com os fatos; onde a indústria brasileira parece sofrer de uma síndrome similar a de jovens adultos, ainda muito dependentes e que se recusam a sair da casa dos pais, já idosos.

O economista Marcos Lisboa, durante palestra em um evento promovido pela revista Quatro Rodas em 2019 - Foto: Reprodução.

Numa palestra concedida por Lisboa, há cerca de 4 anos, ele criticou o excesso de protecionismo dado pelos sucessivos governos de todos os matizes ideológicos, a montadoras de automóveis no Brasil.

E ele disse isso praticamente "com o dedo em riste apontado" para os narizes dos principais executivos do setor automobilístico, presentes num evento promovido pela Editora Abril, através da revista Quatro Rodas.

Já no início de sua palestra Marcos Lisboa menciona a crise nas montadoras de veículos pelo excesso de subsídios concedidos ao setor e que a culpa de tudo, seria das próprias empresas que montam carros, caminhões e ônibus, por conta da pressão e do lobby que exercem sobre o governo, para que tenham suas demandas atendidas.

Disse ainda que ao invés de as montadoras ganharem em competitividade, disputando mercados entre os maiores players globais do setor, acabaram ficando dependentes de subsídios do governo destinando a maior parte da produção ao mercado doméstico brasileiro. 

Lisboa abordou também sobre o nível de produtividade per capta brasileiro e de outros países, comparados com o dos Estados Unidos. De acordo com estudos feitos por ele, o nível de produtividade do trabalhador brasileiro, está estagnado há 35 anos; se encontrando ainda em uma posição intermediária, porém já próxima de ser ultrapassada por Índia e China.

Lisboa menciona o bônus demográfico que atenuou os danos sociais que poderiam ser causados devido a baixa produtividade per capta do trabalhador no Brasil, e que agora ameaça se agravar com a redução da taxa de natalidade e o envelhecimento da população, onde de acordo com ele, estamos ficando velhos antes de ficarmos ricos. 

Portanto, se hoje a reclamação empresarial é falta de mão de obra qualificada, a partir de 2030, o problema será um completo apagão de mão de obra com redução da população em idade ativa de trabalho. Sem contar é claro, o problema do financiamento previdenciário, com menos pessoas contribuindo através de empregos em carteira CLT.

Marcos Lisboa cita ainda as possíveis causas para a baixa produtividade do trabalhador brasileiro, onde ele aponta os níveis educacionais e o capital de infraestrutura comparado com o dos Estados Unidos; além disso, ele destaca, que o problema está mais relacionado ao que se passa no interior das fábricas, do que propriamente, sobre fatores setoriais.

Lisboa aborda também, aquilo que se pode considerar como a segunda grande patologia econômica brasileira: o fato de que o Brasil possui uma grande quantidade de empresas velhas, porém, pequenas (e ineficientes). 

Ao contrário do que ele mesmo apontou, sobre o que ocorre nos Estados Unidos, onde quanto mais antigas forem as empresas, mais competitivas elas vão se tornando; Marcos Lisboa mencionou ainda, que este é, um problema peculiar de economias subdesenvolvidas.

Neste aspecto, a preocupação empresarial brasileira parece apenas o da sobrevivência e através deste contexto, há muitas outras variáveis em jogo, que podem estar dentro da ideia do falso problema tributário ou burocrático na perspectiva das empresas.

Pelo que parece, isso tem sido a especialidade cultural das entidades empresariais brasileiras, ao repassar custos ao redor de gargalos nacionais, para o consumidor final de seus produtos.

Manchete do jornal O Estado de S.Paulo, sobre briga entre montadoras às vésperas da votação da reforma tributária no Senado, em que algumas delas, acreditam haver privilégios concedidos a outras com plantas industriais em regiões do país, fora do Sudeste - Foto: Reprodução.

Desse modo, até multinacionais presentes no Brasil se adaptaram fácil ao "jeitinho brasileiro" das empresas brasileiras de capital privado, como é o caso das montadoras estrangeiras de automóveis, às quais quase não exportam carros fabricados em solo nacional por conta do fator qualidade; algo não propriamente verificado em suas plantas matrizes de seus países de origem. 

Produtividade

O importante tópico trazido por Marcos Lisboa, sobre produtividade, vale destacar o trabalho de outro especialista no assunto, que é o presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomércioSP), o sociólogo José Pastore, que tem inúmeros estudos publicados sobre o assunto.

Pastore cita o baixo emprego de tecnologia no auxílio do trabalho humano nas empresas, que segundo ele, é o principal componente que torna os níveis de desempenho do trabalhador brasileiro, tão precários.

O melhor exemplo é o da construção civil; um setor ainda muito rudimentar no Brasil, onde a ausência de uma simples betoneira para o preparo de massas (seja para assentamento de tijolos e rebocos ou concreto), além de tornar o trabalho mais penoso e desgastante ao trabalhador, gera atrasos e aumento de custos nas obras. 

Algo muito mais comum, nas pequenas obras com profissionais autônomos sem formação técnica adequada, que acaba afetando no desperdício de materiais e na qualidade das edificações; ainda que se tratem de pequenos puxadinhos.

A simples disponibilidade de pacotes de cimento em porções menores de 25Kg, por exemplo, poderia proporcionar ganhos ergonômicos aos trabalhadores; areia, pedriscos embalados, telhas e tijolos paletizados em quantidades próprias para pequenas porções, utilizadas em obras de construção, certamente também ajudaria na praticidade do trabalho dos construtores.

Tecnologia e subsídios 

Como bom liberal que é, Marcos Lisboa acredita na força do livre mercado capaz de regular por meio de sua própria inércia (e que é muito comum de se ouvir no meio profissional corporativo): de que "somente os fortes prevalecem" (e os fracos, logicamente não). 

Porém, Lisboa não parece tão radical em seu raciocínio, e também entende a importância da concessão de subsídios governamentais a setores realmente importantes para a economia.

De tal modo, parece consenso que subsídios governamentais na exata medida do necessário, se concedidos a setores estratégicos da economia, podem propiciar a modernização do parque industrial brasileiro, tornando os níveis de produtividade do trabalhador cada vez mais elevados.

Mas é consenso também, que subsídios devam ser ofertados a empresas que realmente garantam algum tipo de retorno ou dividendo social.

Incentivos concedidos a empresas através de todos os entes federativos brasileiros, tem tornado as entidades empresariais privadas, dependentes de governos e por isso, sem muito compromisso com metas de eficiência produtiva, além da pouquíssima geração de empregos e a oferta de péssimos salários, justificados na narrativa do baixo nível de qualificação da mão de obra.

Estudo

De acordo com o economista-chefe sobre estudos de macroeconomia do Banco Mundial para o Brasil, Cornelius Fleischhaker, responsável por um relatório publicado pela instituição há poucos dias, além de aspectos ambientais e de sustentabilidade, nosso país precisa focar em políticas de inclusão social embasadas no aumento contínuo da produtividade nas empresas, principalmente no setor industrial.

Cornelius Fleischhaker, economista sênior para o Brasil na Prática Global de Macroeconomia, Comércio e Investimento do Banco Mundial - Foto: Hélio Montferre/ Ipea.

O relatório do Banco Mundial destaca seis áreas essenciais para que o Brasil vença gargalos estruturais em sua economia até 2042, conforme reportado pelo jornal O Estado de S.Paulo no último domingo (26); são eles:

  1. aumento da produtividade do setor privado para impulsionar o crescimento de forma ambientalmente sustentável;
  2. enfrentamento da causa da desigualdade na qualidade do sistema educacional brasileiro de forma a eliminar a lacuna entre qualificações e empregos;
  3. fortalecimento da pertinência e sustentabilidade dos sistemas de proteção social para os desafios futuros;
  4. reformulação do atual espaço limitado da política fiscal em conformidade com as prioridades de longo prazo;
  5. melhoria do acesso a serviços de infraestrutura;
  6. construção de um sistema tributário mais equitativo e eficiente.

Mas o relatório também aponta que é preciso combater privilégios arraigados, que porém só serão bem sucedidos, caso haja o amplo apoio da sociedade brasileira nessas pautas. O problema é que a população de modo geral, passa alheia a todos esses problemas que parecem muito sutis à percepção popular mais descuidada e desatenta.

Sem inclusão, o Banco Mundial avalia que é praticamente impossível que apenas governos ou instituições de Estado, tenham êxito em promover desenvolvimento econômico e social no Brasil. Seria preciso assim, na visão do banco, o fortalecimento do que o documento chama de "contrato social do Brasil". 

De todo modo, o relatório do Banco Mundial toca em um assunto extremamente delicado e que nem mesmo no período democrático mais longo de nossa história, foi capaz de corrigir (apesar de muitos empunharem tal estandarte), que é tornar a sociedade brasileira verdadeiramente democrática e participando das decisões nacionais mais importantes ao nosso desenvolvimento.

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