O teto de gastos, elaborado por uma equipe liderada pelos economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes implantado no governo do presidente Michel Temer foi devidamente instituído através da Emenda Constitucional nº 95, com a ideia de um mecanismo que limitasse as despesas governamentais ao índice oficial de inflação (IPCA), do ano anterior ao do corrente ano da execução orçamentária.
Visto com certa reserva na atualidade, inclusive por de seus próprios defensores ferrenhos (num passado recente), o teto de gastos demonstrou sua face mais cruel durante o atual governo que se finda em 31 de dezembro, naquilo que corresponde às despesas sociais do Estado Nacional brasileiro e que visivelmente deixou milhares de pessoas sem atendimento básico a serviços de distribuição de medicamentos da Farmácia Popular, por exemplo.
A imprensa mainstream, tratou logo de por "panos quentes", para que a população não tomasse consciência dos estragos provocados pelo dispositivo constitucional de limitação de gastos do governo na vida cotidiana, passando a associar cortes de despesas para cumprimento da regra fiscal do teto de gastos, como produto de desvio de recursos públicos do orçamento, conhecidos como "emendas de relator", mas chamados pejorativamente pela própria imprensa de "orçamento secreto".
Qual é a verdadeira razão de existir do teto de gastos?
De acordo com seus defensores, o teto de gastos visa dar um limite aos gastos do governo para a garantia de cumprimento das metas fiscais; tais metas por outro lado, são importantes para a obtenção de saldos primários positivos (ou superávit primário - que é a economia do governo para pagamento de juros da dívida pública, descontada as despesas com a própria dívida).
É importante ressaltar que a regra fiscal em si, não tem o objetivo intrínseco de controlar o endividamento público (embora o pretexto de argumentação ao redor dele se dê sob essa ótica), mas sim, fatores que impactam no endividamento e que não levam em conta por exemplo, outros fatores, como operações financeiras desempenhadas pelo Banco Central que geram e encarecem o endividamento público nacional, tais como as operações compromissadas.
Apesar de haver outro mecanismo chamado "depósitos voluntários", a maior parte das operações do Banco Central que visa o enxugamento do excesso de liquidez dos bancos, se dá por via das operações compromissadas que geram mais endividamento público. Sem falar nas elevações da taxa básica de juros, sob pretexto de controle da inflação, que também impactam em custo maior de rolagem da dívida pública.
O maior endividamento entre os emergentes
Porém antes é preciso se discutir o perfil de endividamento público do Brasil, e para tal, é necessário observar o perfil econômico do país, visto que o Brasil é considerado uma economia emergente.
De acordo com o site Brasil Escola, o conceito de país ou economia "emergente", se enquadra na antiga categoria lida como "subdesenvolvida" e que, no entanto, apresentam um relativo desenvolvimento econômico e social em comparação com nações mais pobres do planeta.
O Brasil nesse sentido, apresenta alguns aspectos que ainda o prendem ao subdesenvolvimento, embora (não pareça), tenha conseguido avanços em todos os campos, de um modo geral; nesse sentido, a economia brasileira é considerada um tanto "incipiente" e "não dotada de instrumentos" que garantam fatores que lhe proporcione um nível de endividamento maior, tal como ocorre em economias desenvolvidas tradicionais.
Só para termos uma ideia, o percentual da dívida pública caiu cerca de 10% com relação ao Produto Interno Bruto (PIB), desde o início das medidas de flexibilização sanitária da pandemia de Covid-19 até hoje, mas o custo da dívida para os cofres públicos, aumentou em cerca de R$ 500 bilhões no período, enquanto o montante nominal da dívida também foi reduzido.
Ou seja, apesar do Brasil ter uma proporção de endividamento correspondente ao seu PIB de apenas 77,1%, ele é bem mais caro que o de países desenvolvidos, pelo simples "carimbo" ou "selo" de "economia emergente", o qual lhe dá um certo rebaixamento no perfil de sua dívida pública.
Nesse sentido é visível a preocupação dos economistas liberais com a limitação dos gastos, mas não da própria dívida. Algo que está em uma direção completamente oposta ao que é praticado nas economias desenvolvidas, onde a preocupação se dá mais com o teto da dívida e não com os gastos, como no Brasil.
Portanto, é preciso assim, que tais metas na redução do gasto governamental, se revertam em metas de redução do déficit público, bem como da necessidade de financiamento governamental junto ao mercado de títulos públicos de capitais e assim, a consequente redução do endividamento público em função de tudo isso.
Ocorre que nos mecanismos ou regras de controle fiscal, não há nada claro com relação ao objetivo o qual deveria ser o principal, que é a redução do endividamento público, para que o mesmo, não venha mais a atrapalhar a vida nacional, tal como vem atrapalhando.
Ou seja, não há um critério lógico no qual fique bem claro, que o objetivo de regras fiscais como o teto de gastos ou a antiga e não mais usada, Desvinculação de Receitas da União (DRU), ocorra através da redução do nível de dívida pública, que compromete parte do orçamento nacional para seu custeio.
Inflação Vs gastos (ou vice-versa)
De acordo com o entendimento de entusiastas da escola monetarista de Chicago (e amplamente replicado pela mídia), o excesso de gastos, levaria a déficits públicos. O governo como detentor do monopólio da emissão de moeda, estaria forçado a imprimir dinheiro para cobrir a diferença entre gastos acima da capacidade de receita governamental, que se dá através de impostos.
A emissão de moeda por outro lado, gera excesso de liquidez na praça consumidora da economia real, levando à desvalorização natural da moeda com o consequente aumento generalizado de preços, em que temos assim, a inflação. Para estancar essa corrente inflacionária, os governos decidiram parar de simplesmente fabricar dinheiro e passaram a emitir títulos de dívida pública com o pagamento de juros que incorrem sobre os mesmos.
Por outro lado, a inflação também compromete os ganhos e a rentabilidade dos títulos emitidos pelo governo; então, quando a simples emissão de dívida não é suficiente para estancar o fluxo inflacionário, os governos precisam logo lançar mão de uma política monetária, basicamente ao redor de reajustes na taxa básica de juros, para reverter o fluxo inflacionário e assim, assegurar a rentabilidade de quem empresta dinheiro para o governo.
A necessidade de uma âncora fiscal
Ao longo de todo o tempo de execução do Plano Real, foram criadas (além do teto de gastos), outros tipos de dispositivos de contenção de gastos públicos, conhecidos como "âncoras fiscais", dentre a Lei de Responsabilidade Fiscal (que pune gestores públicos que gastem muito além da arrecadação de impostos de seus respectivos entes federados governamentais) e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que retira percentuais de determinadas áreas de gastos obrigatórios previstos na Constituição.
Nesse sentido, muitos questionam a necessidade do teto de gastos, como mecanismo de redução do déficit público e consequentemente da própria dívida pública nacional:
Não por aquilo que se comprovou como experiência empírica vivida nos últimos anos, em que os críticos acusam o governo de ter rompido o teto em cerca de R$ 795 bilhões; por outro lado, ignorando que mesmo assim, houve registro de superávit primário de 1,4% do PIB (isto é, as contas públicas fecharam no "azul"), e a redução da dívida para 77,1% - quando as previsões mais catastróficas previam dívida em 100% do Produto Interno Bruto nacional.
Porém, é importante lembrar que quase todas as economias do mundo são deficitárias, ou seja, o que arrecadam com impostos é quase sempre insuficiente para cobrir os gastos do governo através de serviços públicos prestados à população; o diferencial é como elas são financiadas, tanto no que diz respeito às fontes de receita tradicionais por via tributária, ou as financeiras que se dão por emissão de títulos públicos de dívida.
A outra diferença de países mais desenvolvidos que a do Brasil, é que em muitos casos, o nível de dívida com relação a suas economias, compromete se não todo o Produto Interno Bruto, mas chegando a ultrapassar o volume total do produto nacional desses países, como é o caso do Japão cuja a dívida ultrapassa os 120% do PIB, ou da Itália que chega a ser duas vezes o valor total de seu PIB.
Portanto, a situação do Brasil é inversa a de economias desenvolvidas, pois o nível de endividamento é razoavelmente baixo, porém, com um custo de rolagem expressivamente superior ao de economias contemporâneas tradicionais conhecidas como do meio "Ocidental".
O desafio agora é outro: adotar uma âncora fiscal para o limite do endividamento (e não dos gastos), manter o superávit primário e a inflação estáveis, garantindo ainda um crescimento modesto de ao menos de 2,5% da economia brasileira em 2023. Cabe a quem prometeu o que não devia, arcar com um orçamento mais dentro da realidade e trabalhar com isso até que as condições permitam mudanças graduais nesse sentido.
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