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Inflação de custos ou de demanda?

No cabo de guerra de versões entre o Banco Central e o governo sobre o tamanho da taxa oficial de juro Selic, que hoje está em 13,75% ao ano, um debate muito importante o qual impacta justamente sob este ponto, tem sido deixado de lado: a natureza inflacionária. 

Afinal, a inflação é de custos ou de demanda?

Através de um diagnóstico mal feito (ou mal intencionado), a política monetária pode assim, dar sinais de estar caminhando, não exatamente numa direção errada, porém no avanço exagerado a uma distância que pode até controlar a inflação, mas também deixar o país seriamente abalado com relação à retomada do crescimento econômico.

Primeiro, pelo argumento do presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, durante entrevista concedida a Abílio Diniz na CNN Brasil, de que há pouco dinheiro disponível para empréstimos no mercado; e que o governo deveria economizar para enfim, sobrar recursos financeiros e o mercado privado ter acesso à eles, a juros mais baixos.

Sobre os gastos do governo, a fala de Campos Neto é até plausível, o que não é lá muito específico, são as verdadeiras causas para que o estoque de poupança interna seja tão baixo, ao ponto de o governo concorrer com o mercado pelo dinheiro disponível a juros mais caros.

Além disso, a margem do juro neutro também é afetada pela baixa disponibilidade de dinheiro na praça; que atrapalha a política monetária no controle da inflação, mas ainda, por haver pouca transparência do BC ao redor de sua política junto, ao mercado de juros futuros. 

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central durante entrevista a Abílio Diniz na CNN, disse que os juros estão elevados porque o governo quer todo o dinheiro disponível no mercado para si - Foto: Reprodução/ CNN Brasil.

O fato de haver pouca disponibilidade de dinheiro para o financiamento de empresas brasileiras, não significa exatamente que não haja reservas brutas (e inexploradas) de outras fontes de poupança. 

É insano e contraproducente, que índios passem fome, sentados em cima de imensas reservas com grandes quantidades de ouro, enquanto o garimpo ilegal o remete para fora do país, e o Tesouro Nacional fica mendigando o refinanciamento da dívida pública, ao disputar merrecas de dinheiro com o mercado por isso.

Ainda nesse mesmo raciocínio, é mais preocupante o Banco Central concentrar pouco mais de 80% de todo o volume de suas reservas internacionais ancoradas no dólar, cuja moeda estrangeira corre o risco de ter seu valor pulverizado em questão de segundos, pelo fato de a dívida americana ser um problema muito maior que a dívida brasileira.



Composição das reservas internacionais com a cesta de moedas internacionais em dólar, euro, iene japonês, libra esterlina britânica, dólar canadense, dólar australiano e yuan chinês - Foto: Relatório de Gestão das Reservas Internacionais/ Banco Central do Brasil.

Aliás a razão de existir âncoras fiscais como o Fundo Social de Emergência (FSE), durante a elaboração do Plano Real; da Desvinculação de Receitas da União (DRU) que vigorou entre 1995 e 2017; o teto de gastos e agora, o arcabouço fiscal, servem apenas para manter um certo controle mínimo sobre o endividamento público; tudo para tranquilizar o mercado e estimula-lo a continuar financiando o governo.

Hoje a dívida pública bruta brasileira e de "apenas" 73,1% do PIB (se comparada a dos Estados Unidos), mas é considerada elevada para uma economia emergente como o Brasil. Outros países como Itália e Japão, possuem níveis de endividamento superiores a seus produtos nacionais, mas a juros negativos, pois são consideradas economias menos vulneráveis que a nossa. 

Do montante total das reservas internacionais de US$ 345,7 bilhões, 19,57% estão em metais nobres ou moedas de outros países; enquanto o BC brasileiro dispõe de apenas 2,52% de suas reservas em ouro, a maioria dos bancos centrais espalhados pelas maiores economias do mundo, estão apostando alto no retorno de reservas ancoradas no metal nobre.

Mas sem dúvida, a alegação do Banco Central de que a natureza da inflação seria de demanda, ousa um pouco na insistência da dúvida explícita quanto a inteligência e a sanidade cognitiva da grande maioria da população, que acompanha os noticiários econômicos, principalmente pela grande imprensa mainstream.

Taxa básica de juro Selic em 13,75% ao ano - Infográfico: Banco Central do Brasil.

A tese de inflação de demanda, foi recentemente reforçada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), ao elogiar o Banco Central brasileiro pela decisão de manter a taxa básica de juro em 13,75% ao ano, e que também simplesmente passa uma borracha nos fatos históricos recentes os quais envolveram sobretudo, reflexos da pandemia de Covid-19, que influenciaram no atual descontrole global de preços.

Tudo começa com inflação de custos por via da quebra na cadeia global de suprimentos; a redução nos estoques de insumos, consequentemente da produção e da produtividade, até que o volume constante de consumo da massa salarial (que também se retraiu um pouco -mas não acompanhou a queda na produção de bens e serviços), comece a pressionar preços por choques de oferta e isso enfim, ser chamado de "inflação de demanda".

Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) de 56,7% do PIB e Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) de 73,1% do PIB - Infográfico: Banco Central do Brasil.

O governo portanto, pode mesmo não estar totalmente equivocado ao pressionar o Banco Central para ceder nos juros, o que mais cedo ou mais tarde, pode de fato acontecer; porém a questão fiscal precisa sim, de maiores cuidados, ainda que a nova âncora fiscal corte gastos sociais para que o governo mantenha outros, os quais considera prioritários para a continuidade de seus projetos internos de poder.

Portanto, se a inflação é de custos ou de demanda, nessa altura do campeonato, isso pouco importa; o que verdadeiramente interessa, é uma fiscalização junto ao Banco Central sobre suas operações internas e o mercado doméstico interbancário.

Certamente aí estaria uma verdadeira caixa preta, com pouca transparência e onde pode estar as verdadeiras razões para o alto endividamento nacional, além da própria Selic, para conter a inflação e que apenas encarece a própria dívida brasileira, que o BC acusa o governo de não saber controlar.

A autonomia do Banco Central não pode mais ser questionada, mas sim, aperfeiçoada; os instrumentos de fiscalização e controle poderiam ter um leque de participação maior, tanto da parte do Senado Federal, quanto do Tribunal de Contas da União. É preciso saber quem realmente tem responsabilidade sobre o controle da dívida pública: se apenas o governo, ou também o BC. 

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