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Thatcher e o Estado brasileiro (grande e fraco)

  Em sua única visita ao Brasil em 1994, a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, marcou sua passagem pelo País com frases certeiras que ainda hoje a caracterizam da forma como ficou conhecida, "Dama de Ferro". Dentre uma de suas elocuções clássicas, definiu o Brasil com uma precisão de mira, muito maior do que a de qualquer atirador de elite de nossas forças.

 Durante palestra proferida em um hotel de São Paulo, a ex-chefe de governo do Reino Unido nos anos 1980, disse a seguinte frase: "Defendo um Estado pequeno e forte e o que me parece é que o que vocês têm no Brasil é exatamente o inverso, ou seja, um Estado grande e fraco".

 Até hoje nenhum brasileiro conseguiu definir melhor a natureza estatal brasileira, de maneira tão precisa como então foi feita por Margaret Thatcher. Realmente, mesmo depois de tantos anos após dizer o que pensava do Brasil, naquela realidade de 26 anos atrás, a situação do nosso País, indica se tratar da mesmíssima condição (senão, pior). 

 Mesmo depois das tão propaladas medidas ultraliberais tomadas através de toda uma agenda de privatizações, reformas constitucionais e abertura de mercado para importados, além de medidas fiscais de contenção de gastos levadas a condições extremistas, o Brasil ainda continua um Estado grande e fraco.

 Certamente o que mais agravou a realidade brasileira com o passar dos anos, foi a ideia defendida de que apenas com reformas estruturantes do ponto de vista econômico, seriam suficientes para garantir o fortalecimento do Estado Brasileiro e a redução de seu tamanho, frente ao seu papel na vida da sociedade.

 No entanto, como nunca fomos uma democracia plena em que antes de mais nada se buscasse os benefícios do capitalismo para o bem estar da população, o que ficou marcado na história brasileira desde então, foi tão somente o tamanho do Estado com relação à economia e não, no que se refere ao cotidiano de seus cidadãos.

 A fragilidade do Estado Nacional brasileiro pode ser observada principalmente quando o modelo de organização estatal federativo - mesmo oferecendo importante autonomia aos entes subnacionais menores -, demonstra debilidade institucional que sobretudo, acaba não protegendo os cidadãos de seus governos ou mesmo ainda, do poder econômico que os sustenta no poder.

 Quando se percebe a força de oligarquias políticas contemporâneas que ainda se mostram maiores que as próprias instituições locais equivalentes, às quais deveriam fiscaliza-los (impondo limites, quanto a atitudes autoritárias e discricionárias), o que se tem é a evidência da não correspondência satisfatória quanto a essas expectativas, no que determina a própria Constituição Federal.

 Por meio de tal realidade, a judicialização política tomou as demais instituições republicanas equivalentes, aos braços subnacionais federativos, como aliadas locais direcionadas contra os opositores de tais governos paroquianos; numa realidade às quais em tese, determina que deveriam ser independentes e harmônicos entre si, porém prejudicando é claro, o bom andamento dos trâmites democráticos na relação entre governantes e governados. 

Margaret Thatcher, ficou conhecida como "Dama de Ferro", após governar o Reino Unido entre maio de 1979 e novembro de 1990; foi responsável pelo maior sucesso empreendido através de um programa de reformas que devolveu vigor à economia britânica nos anos 1980 - sem se descuidar do cuidado com o cidadão (foto: Terry O'Neill/ Getty Images).

 Com isso, além da fragilidade dos parlamentos locais, os quais são subornados através de barganhas políticas com a compra de bases de apoio por esses entes da administração pública, o Ministério Público, os tribunais de contas e o Poder Judiciário também tendem à parcialidade que varia de acordo com os gostos de mandatos de governos em curso - o que caracteriza além disso, o crime de prevaricação.

  Concomitante à essa dura realidade, como o Estado detém o monopólio da violência, as oligarquias coronelistas modernas do interior do País, além de não sofrerem nenhuma limitação dentro do princípio democrático de tripartição federativa dos poderes de "freios e contrapesos", fazem uso do aparato de violência estatal de polícia, contra pessoas da sociedade civil que ousem questionar seus métodos, inspirados em ações visivelmente autocráticas.

 Dentro de tais constatações, observa-se que através da compra de maioria nos parlamentos locais ou estaduais, a principal moeda de troca, é a que se dá através da concessão de empregos públicos comissionados por indicação política para cargos governamentais, inflando o Estado Brasileiro em todas as suas divisões federativas com cabides de empregos, inchando folhas de pagamento e comprometendo cerca de metade dos orçamentos governamentais, regados a uma grande ineficiência nos serviços públicos. 

 O Estado Brasileiro é portanto, grande e fraco, porque as classes dominantes sempre foram maiores do que ele; e essa realidade foi o principal fator que o impediu de se fortalecer, ao mesmo tempo em que fosse possível reduzir seu tamanho através das prometidas reformas.

 Gradualmente a ideia de modernização que o fizesse menor - cedendo maior espaço para o cidadão comum, viver menos pressionado por arbitrariedades daqueles que o mantém fraco, justamente para continuarem no seu mais absoluto controle -, não ocorreu porque esbarra em obstáculos relacionados a privilégios concedidos pelo Estado a castas (públicas ou privadas) da sociedade. 

 A burocracia institucional de carreira, mais preocupada com privilégios através de seus altos salários, regalias e aposentadorias especiais, também caracteriza o desinteresse dos demais agentes de Estado alocados nas outras instituições além do governo, para com seu fortalecimento e das quais fazem parte.

 Preferem com isso, papéis secundários na República, vivendo à sombra de governos com os quais parecem precisar fazer acordos para se manterem em suas funções públicas, tais como parlamentares que vendem seus apoios a esses mesmos governos locais. Este é outro fator que também faz do Estado brasileiro grande, embora fraco.

 Nessa conjuntura, a ineficiência estatal no atendimento ao cidadão, é irmã siamesa de uma relação incestuosa entre governos e demais instituições federadas subnacionais equivalentes, pois está longe de proporcionar uma verdadeira efetividade no atendimento das necessidades institucionais da população, tais como serviços públicos céleres e eficazes.

 Mas como o objetivo de tantas reformas constitucionais, privatizações e arrocho fiscal (em nome da modernização estatal), nunca foi o de fortalecer o Estado, mas tão somente o de fragiliza-lo ainda mais, a realidade brasileira o expõe na mesma condição que a verificada por Margaret Thatcher há 26 anos atrás. 

 A fragilização do Estado tem por objetivo, mantê-lo sob controle tanto de grupos privados, quanto de burocratas públicos, os quais atuam nas três esferas de poder, dentre os três níveis federativos governamentais, e através disso, neutralizar os canais institucionais públicos, dificultando o acesso da população à eles. O que compromete a própria democracia.

 Tais grupos privados, concedem aos agentes estatistas, a permissão para continuarem em suas funções públicas, desde que obedeçam a suas determinações ao redor de seus interesses econômicos. É praticamente daí, que o poder do grande capital exerce sua influência sobre instituições às quais deveriam ser isentas, isonômicas e imparciais.  

 Justamente a extrema preocupação com apenas um lado dessa dita "modernização" do Estado, sem abranger suas demais instituições, que o mantém engessado no dilema entre o corte de direitos de amplas maiorias e a manutenção de privilégios de pequenas castas burocratas estatais e ainda de parcelas do setor privado nacional.  

 Outro indício de tamanha fragilidade do Estado Brasileiro é o fato de figuras do Ministério Público e do Judiciário, se tornarem celebridades populares, por liderarem ações anticorrupção.

 Tais práticas sinalizam mais uma vez, não só a fraqueza das instituições a que pertencem (frente ao personalismo de algumas figuras destacadas), como também, o uso do aparato das demais instituições da República, como instrumento o qual caracteriza intervenção estatal na economia, em nome da moralização pública. 

 A Operação Lava Jato sem dúvida, foi o maior expoente de um tipo de intervenção do Estado nos negócios privados - não diretamente por iniciativa governamental -, de procuradores os quais indicavam preocuparem-se muito mais com suas carreiras de Estado, do que com as consequências (sentidas ainda hoje), sobre a economia nacional por conta dessa intervenção.

 Por intermédio da participação de agentes do Judiciário, tal intervenção estatal na economia nacional privada, se fez como trampolim político que hoje torna possível o lançamento de pré-candidaturas a chapas majoritárias à presidência da República.

As polícias militares estaduais, são os maiores exemplos de fragilidade estatal brasileira, frente a grandes e ineficientes estruturas que só servem como aparato de proteção a oligarquias locais contra cidadãos que ousem questioná-los; policiais mal pagos e despreparados, são instruídos a defender a grande propriedade privada, ligada a tais oligarquias políticas, enquanto a população comum, vive sob a mira de sua desconfiança, onde o princípio constitucional da "presunção de inocência" lhes parece pouco válido (foto: reprodução). 

 Embora tenham liderado severas intervenções estatais na economia brasileira, tais figuras públicas que agora esboçam pretensões eleitorais, contam com a simpatia de setores da economia privada financeira que os considera "liberais", apesar de sempre pertencerem ao aparato de Estado e viverem sobre a sombra de generosos subsídios (salários) públicos, regalias e privilégios.

 Por assim estar de acordo com o gosto do oligopolizado (e por isso), concentrado setor financeiro nacional - tenta-se vender a imagem de burocratas estatais, como exímios e verdadeiros expoentes de um tipo de liberalismo "jabuticabesco" (que só existe no Brasil) -, onde a tendência se faz na manutenção de um Estado fraco, e ainda em nome de certos interesses, mantido grande.

 Outro aspecto que também caracteriza como atual, a constatação da ex-primeira-ministra inglesa sobre a natureza do Estado brasileiro durante sua visita ao Brasil em 1994, pode ser sentida com relação às nossas Forças Armadas: grandes contra o cidadão, mas fracas e incapazes de protegê-lo em caso de uma invasão estrangeira sobre nosso território, e ainda, extremamente onerosas ao contribuinte, por conta das pesadas regalias concedidas a altos oficiais das Três Forças. 

 Nesse sentido o Estado brasileiro continua, e é mais do que nunca, grande em sua estrutura burocrática bancada pelo contribuinte e fraco na hora de defender o cidadão.  

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