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Criminalização juvenil

 Antes de criminalizar uma criança é preciso se entender as possíveis razões que a levaram a esse suposto mundo de delinquência juvenil. Uma criança pode já nascer criminalizada por ser pobre e ter que trabalhar feito um adulto (mesmo não tendo a mesma coordenação motora que a de um adulto).

 Assim, muitos acreditam que crianças e jovens podem representar uma ameaça tal qual seja a de delinquentes adultos. Dessa forma defendem veementemente formas mais rígidas e duras de punição para crianças e jovens que as quais já nasceram punidas pela pobreza.

 O trabalho infantil e análogo à escravidão é uma vergonha em nosso País, mas a maior parte das pessoas preferem condenar ainda mais nossas crianças e jovens, a lutarem para liberta-los de situações de trabalhos degradantes.

 Mais lamentável e estarrecedor ainda, se ouvir de pessoas ditas religiosas e (católicas) as quais nunca se levantaram para defender qualquer criança ou jovem em situação de trabalho degradante - em razão de uma vida de privações -, defenderem a redução da maioridade penal. 

 Punir mais ainda, nossas crianças e jovens que já nasceram sem nenhuma expectativa de vida e que já cumprem 'pena de vida' sem a menor sombra de dúvidas, representa o que há de mais covarde e desumano em nossa sociedade. 

 Sociedade essa à qual, não oferece nada em ao menos apontar caminhos e soluções que viessem a tirar milhões de crianças e jovens do nosso País de situações de pobreza que por sua vez os induza à marginalidade.

 Há pessoas que argumentam também terem passado por privações enquanto crianças ou adolescentes 'e mesmo assim, não se viram tentados a caírem no mundo do crime'. 

 Dentre as idiossincrasias peculiares do comportamento humano frente a situações possivelmente ou supostamente semelhantes, o que emerge em tudo isso na verdade é o mais puro e genuíno preconceito, já que é impossível se mensurar com precisão e exatidão se este ou aquele indivíduo tenha passado por mais privações que outros em sua infância ou juventude.


A  defesa  da  dignidade  da  criança  e  do  adolescente,
nunca  foram  preocupação 
da sociedade. 
Em vez disso, 
buscam
 acentuar formas de punição ainda mais rigoro-
sas, além daquelas já impostas pela vida a 
nossos jovens. 
 Para o gênio da educação pública em nosso País, Paulo Freire, "quando a educação não é libertadora, o desejo do oprimido é se tornar o opressor". 

 Logo então entendemos outras razões que nos levam a crer que os adultos (de bem), em nossos dias, mesmo vivendo suas vidas de forma 'honrada' e nunca tendo delinquido, guardam um certo rancor, um ligeiro ressentimento de uma dor que provavelmente teriam sofrido - enquanto incapazes e vulneráveis -, os quais carregam sobre seus históricos de vida que se deram na discriminação, na negação de seus direitos fundamentais de proteção, de moradia, de alimentação, amparo, educação, orientação e de amplo acesso a tudo o que represente mais tarde, melhores oportunidades de vida o qual um ser humano possa vir a ter (longe do trabalho juvenil forçado em função da privação de necessidades básicas).

 Os adultos de hoje, parecem em razão de traumas vividos em suas infâncias, se sentirem no mesmo direito em impor os mesmos pesados fardos e responsabilidades absurdas sofridas por eles; ou em sua mesma proporção, à nossa juventude atual. 

 Onde ela não respondendo de acordo com os anseios desses adultos, se veem vítimas de todos os tipos de rotulações depreciativas - quando não -, sendo diretamente criminalizados em decorrência de ações isoladas atribuídas a pequenos grupos juvenis de tendência mais agressiva frente a uma resposta a violências sofridas, usadas pela grande imprensa como sustentação ao discurso em defesa da redução da maioridade penal. 

 Nesse cenário ambíguo em torno de discursos pró ou contra a redução da maioridade penal em meio ao projeto de lei de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) - recentemente rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do Senado Federal na sessão do último dia 19 de fevereiro -, o debate popular sobre o controverso tema adquire proporções passionais. 

 Afinal o recurso da passionalidade em temas delicados como este, tem sido o mais usado dentre os veículos da grande mídia no sentido de ganharem a simpatia e o apoio popular ao defenderem seus pontos de vista e suas bandeiras de luta inspiradas em suas ideologias conservadoras no pleno controle social de massas, atendendo plenamente aos interesses dos proprietários dos feudos midiáticos, que também estão à serviço da estrutura elitista que representam.

 Quando um debate como a redução da maioridade esbarra na defesa de pontos de vista pessoais de indivíduos que se dizem religiosos e que vivem segundo sua fé os preceitos de sua religião - mesmo se dando de forma contrária ao posicionamento oficial da própria instituição da qual afirmam ser seguidoras como a Igreja Católica -, os defensores da maioridade penal fazem questão de separar suas vidas religiosas a de pensamentos amplamente concebidos dentro da mais pura orientação mundana e secular de intolerância em defesa de penalizações impostas a crianças e jovens, das quais possivelmente possam estar em casos que se vejam tidos como 'menores infratores'. 

 Padre João Batista Libânio que faleceu no último dia 30 de janeiro, em seu artigo publicado há menos de dois anos, nos dá uma dimensão exata sobre a intolerância que se dá entre alguns religiosos quanto ao tema sobre a redução da maioridade penal, e apela justamente para a mensagem principal do Evangelho (o perdão), como discurso do qual se contradiz com os anseios dentre esses religiosos católicos de tendência conservadora.    

 Em seu texto padre João Batista Libânio nos convida a refletir dentro de um espaço coerente e responsável a tratarmos a questão do perdão como oferta e aceitação, se dando na disponibilidade de pessoas em ofertar o perdão e de outras, em aceita-lo. De acordo com seu pensamento: 'o perdão no mundo penal, significa pensar a pena como "remédio" e não como punição'. 

 Assim se utilizando de uma experiência bem sucedida em uma escola inglesa de jovens violentos em que o diretor da mesma, introduziu no início das atividades escolares um tempo de exercício de oração, onde cada jovem rezava segundo sua religião e ideologia de acordo com sua própria maneira, padre Libânio nos exorta que uma reeducação amparada no amor e cuidado aos jovens, se torna imprescindível para domar o próprio instinto de violência presente em cada um, dentre os traumas sofridos e vividos em suas vidas. 

 O silêncio, a concentração e o esforço em transcenderem fizeram diminuir sensivelmente a violência entre os jovens.

 Assim atividades terapêuticas como esta precisam ser implementadas não somente dentro de escolas ou reformatórios juvenis, mas como também, em outras vertentes da sociedade (como nas próprias igrejas), nas quais seus instintos de violência 'contida' e por vezes dissimulada em boa parte de seus membros - movidos por traumas juvenis procuram imputar nos jovens de hoje, o ódio e o ressentimento que vieram absorvendo em todo o curso de suas vidas ignorando até mesmo as maiores recomendações de sua fé. 

 A situação de violência das quais sofreram não pode se repetir ou se perpetuar em gerações futuras. Não dando sequência à lógica do oprimido desejar no futuro estar no lugar do opressor.

Comentários

  1. Um pai que cumpre seu papel natural, primeiro alimenta, depois defende, orienta, educa, cuida, dá amo..r. Investe na formação do filho e o prepara para a vida em sociedade. Somente depois ele cobra. Repetindo: o pai primeiro faz sua parte, depois exige do filho. Pelo menos é este o modelo ideal. Assim sendo, o Estado igualmente deveria ter o mesmo papel. Cabe ao Estado primeiramente cuidar, proteger e oferecer educação e oportunidade para todas as crianças e jovens; e depois cobrar e punir. Quando o Estado cumprir primeiro sua obrigação poderá ter moral e falar em recrudescimento de penas. A criminalidade infantil é responsabilidade do Estado, SIM (com louvor!!!), pois este nunca cumpriu sua missão teórica que é regular a vida em sociedade; o Estado, desde seus princípios até hoje, existe para blindar o capital e manter todas as condições necessárias para que uma minoria acumule a riqueza em detrimento da imensa maioria de explorados e marginalizados. A Lei do Estado protege o capital. Cumpra o Estado, primeiro, o seu papel. Proporcione iguais oportunidades para todos; dê condições para que os conceitos de liberdade, fraternidade e liberdade coexistam na prática. E depois disso, e tão somente depois passe a cogitar em recrudescimento de penas. A violência é, SIM, resultado da desigualdade social. Longe de querer negar algumas características inerentes à natureza do homem; é bem verdade que mesmo em um mundo mais igualitário, mais justo, também haverá violência; mas é uma imbecilidade negar que a desigualdade não dê cabo à grande incidência dela. Recrudescer penas, reduzir a maioridade penal, significa aumentar o depósito de pobres e negros nas cadeias. Ou alguém, em sã consciência, espera ver filho de milionário na Fundação Casa (FEBEM)?

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    Respostas
    1. O Estado enquanto instrumento da elite econômica do País em função de seus interesses num passado recente, procurou impedir o pleno atendimento previsto nas leis brasileiras à crianças e adolescentes. Agora que o Estado Nacional brasileiro vigora sob uma democracia social (ainda muito incipiente), e que parte de suas atribuições em relação aos jovens vem de certo modo sendo cumpridas, a mesma elite econômica que durante décadas, séculos impediu a plena assistência a nossos jovens com medo de que comprovadamente no Brasil a tese de que em Estado de bem-estar social, os índices de violência sejam factualmente reduzidos, gritam e exprimem sua arrogância, sua dor, seu rancor. Embalados na onda fantasiosa, falaciosa, romântica e ingênua da meritocracia, alguns da prole (hoje conhecida como classe C),que se acham ungidos por pertencerem a pequenos e seletos grupos religiosos conservadores (mas que não possuem nem a terça parte da renda daqueles realmente ungidos pelo sistema capitalista), ecoam engrossando o coro do grito melancólico da elite e da classe média contra jovens que os quais não sabem se defender de todo esse bombardeio e de todo o ódio do qual são vítimas provido justamente do descaso que sofreram. O medo, o golpismo e a contundência de conservadores recalcados em relação ao potencial seguramente muito superior dos jovens de hoje em sua equivalência do que foram no passado podem ser os verdadeiros motivos para essa caçada abrupta e brutal da qual testemunhamos.

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