Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira
Extraído do jornal Valor Econômico
Extraído do jornal Valor Econômico
O desequilíbrio macroeconômico fundamental que o Brasil enfrenta desde o
início dos anos 1990 é o da sobreapreciação cambial que desestimula os
investimentos e desindustrializa gradualmente o país. Não os desestimula de
forma definitiva na indústria porque no Brasil a doença holandesa não é grave.
Hoje a taxa de câmbio de equilíbrio corrente, aquela que equilibra
intertemporalmente a conta corrente do país, deve estar próxima de R$ 2,20 por
dólar, e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial - necessária para que
empresas de bens comercializáveis internacionalmente que usam tecnologia no
estado da arte mundial sejam competitivas, e para que o mercado interno deixe
de ser capturado por importações - deve estar próxima de R$ 2,80 por dólar. A
doença holandesa brasileira é, portanto, moderada, de apenas R$ 0,60 por dólar;
é uma sobreapreciação estrutural que seria resolvida por uma depreciação de
aproximadamente 20%.
Tenho afirmado que essa depreciação pode e deve ser realizada por meio
de um imposto de exportação sobre as commodities que dão origem à doença
holandesa, correspondente à sobreapreciação por ela causada. Um imposto sobre
essas commodities, de 20% de seu valor em cruzeiros, ou de R$ 0,60 por dólar
exportado, resolveria o problema. Esse imposto deverá ser variável, para
refletir mudanças importantes no preço internacional, e deverá ser diferente de
uma commodity para outra, dependendo do quanto "rendas ricardianas" a
beneficiem. Adotado o imposto, ele deslocará a curva de oferta da respectiva
commodity para a esquerda em relação à taxa de câmbio (não em relação a seu
preço), de forma que dado o preço e a demanda internacional, os seus produtores
só continuarão a produzir a mesma quantidade se a taxa de câmbio se depreciar
no mesmo valor do imposto. Como estou pressupondo um mercado razoavelmente
livre, essa depreciação deverá ocorrer e o produtor nada perderá.
Mas, quando afirmo que um imposto de exportação neutralizará a taxa de
câmbio, as pessoas, inclusive os melhores economistas, têm dificuldade de
entender e aceitar o que estou afirmando, porque não veem qual a relação entre
esse imposto e a oferta e a procura de moeda estrangeira, que, supõem eles,
determina a taxa de câmbio.
A sobreapreciação cambial desestimula os investimentos e
desindustrializa gradualmente o país
Eu não tinha uma resposta clara para essa questão. Cheguei a ela
recentemente, e a compartilho com os leitores do Valor. Na verdade, na análise
da determinação da taxa de câmbio, devemos distinguir seu valor de seu preço de
mercado, da mesma forma que ocorre com as mercadorias e serviços. O valor de
uma mercadoria é igual ao seu custo mais uma margem de lucro razoável que
incentive os empresários a continuar investindo. O preço da mercadoria flutua
em torno desse valor em função das variações da sua oferta e procura. A mesma
coisa acontece com a taxa de câmbio: seu valor é determinado pelo custo mais a
margem de lucro razoável das empresas eficientes existentes em cada economia
nacional. Em uma economia sem doença holandesa há apenas um valor, porque o
equilíbrio corrente e o industrial são iguais.
Já em uma economia com doença holandesa temos dois valores: o valor da
taxa de câmbio para as empresas produtoras de commodities corresponde à taxa de
câmbio de equilíbrio corrente, e o valor relativo à produção dos demais bens
comercializáveis corresponde à taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Não
estando neutralizada a doença holandesa, o valor "dominante" é o
determinado pelo custo mais baixo; é, portanto, o mais apreciado, e, por isso,
dada a oferta e a procura de moeda, inclusive os fluxos líquidos de capitais, a
taxa de câmbio de mercado flutuará em torno da taxa de câmbio de equilíbrio
corrente, não da de equilíbrio industrial.
Neste quadro, o imposto sobre exportação age sobre o valor da taxa de
câmbio, ou seja, sobre a taxa de câmbio de equilíbrio corrente, aumentando-o
para o nível da taxa de câmbio de equilíbrio industrial. A partir daí, a
política de taxa de câmbio deverá procurar reduzir as suas flutuações ou a sua
volatilidade por meio das políticas cambiais conhecidas: a compra e venda de
reservas e os controles de capitais.
Não obstante os exportadores de commodities tendam a se opor ao imposto,
creio ter deixado claro que, afinal, eles o recebem de volta por meio da
depreciação cambial. Quem paga o imposto são os consumidores e investidores
que, no curto prazo, veem os preços aumentar. Mas esse custo é transitório, e,
em pouco tempo todos se beneficiarão com o aumento dos investimentos e a
aceleração do crescimento que a neutralização da doença holandesa
proporcionará.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da FGV. Foi ministro da
Fazenda (1987) e ministro da administração federal (1995-98) do Brasil.
Publicou em 1968 seu primeiro livro. No site www.bresserpereira.org.br está disponível boa
parte de sua obra acadêmica.
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