Tentar entender o que se passa no Brasil, sem nos submetermos a interpretações prontas, carregadas de um falso teor imparcialista, não é tarefa nada fácil. Muito menos em se tratando de um país onde os mais diversos interesses estão em evidência. Essencialmente o de grandes grupos políticos e econômicos que já estão cansados de atuarem fora do centro do poder governamental. As questões que levaram o Brasil ao fosso político-institucional vão muito além de corrupção ou fisiologismo da parte de alguns partidos.
Se a "decepção é geral", digno se "fazer uma faxina geral", como mencionou artigo da revista britânica The Economist, que citou genericamente casos de corrupção envolvendo parlamentares que votaram pelo impedimento do governo da presidente Dilma Rousseff, e empolgada com o fato de o PMDB ser visto como "mais amistoso às causas econômicas", a publicação se esqueceu de mencionar que o próprio PMDB sempre veio fazendo parte das principais decisões envolvendo a Petrobras, desde a redemocratização do Brasil há pouco mais de trinta anos.
Mesmo com o PMDB tendo participado dos ministérios chave que se tornaram o eixo das investigações da Operação Lava Jato, o partido é poupado pela revista. Mas como diria o ex-ministro Delfim Netto, "só no Brasil levam a Economist à sério".
Porém a solução apontada pela publicação britânica está enraizada na mais recorrida tradição para conflitos institucionais dentre as consideradas, mais evoluídas democracias da Europa. Uma solução muito parecida ao que estamos habituados a testemunhar vista de forma comum no parlamentarismo, mas que no presidencialismo brasileiro, não está previsto: a demissão de governos e a dissolução de parlamentos inteiros, seguida de convocação de eleições gerais.
A atual crise não é sobretudo apenas de representatividade, é reflexo da saturação do nosso sistema de governo. No presidencialismo, se cria uma falsa ideia de que as instituições são sólidas, por estarem sendo conduzidas pelos mesmos rostos por gerações inteiras. Porém, só no parlamentarismo, rostos novos podem chegar à condução política das instituições, sem que as instituições sofram retrocessos ou golpes como observado no Brasil.
A crise ora vivida pelo Brasil, abre precedentes onde o vice de qualquer cargo majoritário pode assumir a função à qual ele não foi eleito (mas tão somente sendo como uma composição complementar de chapa encabeçada pelo candidato), simplesmente porque o parlamento assim deseja, contrariando o voto sufragado popular. No presidencialismo tupiniquim, argumenta-se a necessidade de coalizões para a continuidade de governos.
Moções de censura ou de confiança da parte do Congresso Nacional, não se aplicam ao presidencialismo. Muito menos a quem foi eleito. Implicações fiscais ou contábeis recorrentes de outros governos, são justificativas menos honestas ainda que fundamentem teses de crimes de responsabilidade previstos nos ritos de impeachment.
O que talvez tentam nos cargos majoritários executivos, certamente se deve à imposição do modelo de eleição proporcional existente no Brasil, onde os 'puxadores de voto', possuem a função unicamente de reeleger os refugos eleitorais que quase ninguém mais deseja ver no parlamento. A prova da ilegitimidade do Congresso brasileiro está na proporção de que 60% de seus parlamentares estejam envolvidos em casos, ou mesmo respondendo a processos de corrupção.
Afirmar que o governo foi incompetente depois que o setor privado se viu servido de um pacote de bondades tributárias para ser estimulado a produzir, ainda complementado por uma Medida Provisória que abria a possibilidade de redução do custo do principal insumo de produção para qualquer unidade produtiva (a energia elétrica), pode ser a mais cínica e simplista das afirmativas (típico do jornalismo tendencioso meia boca, que como podemos perceber, não é exclusividade brasileira).
A publicação britânica erra feio também ao ignorar o fato de termos um Judiciário inerte e sem reação, quanto às arbitrariedades do Congresso. E podemos ir muito além disso: ao se recusar a julgar todos os parlamentares, inclusive o próprio presidente da Câmara dos Deputados, por crimes ou improbidades, o Judiciário se torna cúmplice de algo orquestrado que podemos sim, entender e definir como 'golpe'.
Afinal, é preciso se mexer também nos processos de escolha ou nomeação de juízes e ministros de instâncias médias e superiores. Os privilégios que beiram a ostentação aristocrática da magistratura tais como auxílios, ajudas e complementos salariais, precisam ser, o quanto antes revistos, tendo em vista as carências do povo em meio a um Judiciário caro, lento e por isso ineficiente.
Chega a ser ultrajante e é até compreensível para nossos magistrados, agirem de tal forma, depois de terem suas demandas negadas pelo Executivo, como um reajuste em torno de 38% para os servidores do poder Judiciário (sem o devido preparo orçamentário para isso). O que esperavam? Uma nova manobra fiscal para tornar esse reajuste ao Judiciário possível?
Dessa forma, o que fica parecendo é que o governo é quem põe em risco, os privilégios de um Congresso onde mais da metade de sua composição é comprovadamente corrupta e o Judiciário que se mostra numa situação muito semelhante, reluta em não se arriscar a no mínimo conceber a ideia de perde-los. Sendo assim, o problema é mesmo o governo ou sua suposta incompetência?
Tudo o que nos leve a compreender situações onde a maioria da população é contrariada pela vontade de uma parcela mínima de descontentes, se configura como um golpe. O que se custa a compreender é que as pessoas de um modo geral, estão mesmo cansadas da corrupção, mas pesquisas recentes indicam que para uma expressiva parcela da população, o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República, não resolve o problema da corrupção no Brasil.
Se para os czares da economia internacional (mal representados, por sinal pela Economist), o mais importante é a amistosidade de governos para com os interesses do capital internacional, o pretexto da corrupção se configura mesmo como mera peça acessória que corrobora teorias conspiratórias golpistas. Ou seja, a corrupção nunca foi objeto de preocupação do grande capital, porque é exatamente a mão invisível do mercado, a entidade mais corrupta no mundo.
A bem da verdade, bom se nada do que acontece no Brasil tivesse algo a ver com o mercado.
Comentários
Postar um comentário