Pular para o conteúdo principal

Empreendedorismo romantizado (e precário) ou subemprego?

Desde a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) no governo Fernando Henrique Cardoso em julho de 1998, o Brasil bateu a marca de 60 milhões de empresas registradas na modalidade. Porém, de acordo com a BigDataCorp, empresa de análise de dados, somente 21,5 milhões de CNPJs estão efetivamente ativos.

De acordo com o estudo realizado, cerca de 80% das empresas encerram suas atividades antes de completarem 4 anos. E somente menos de 1% chegam a uma década de vida. Com isso, a idade média das empresas é de apenas 8 anos.

Certamente o endividamento é o que pode pesar mais nesses índices; um levantamento feito pelo Serasa Experian demonstrou que os pequenos empresários devem juntos, cerca de R$ 115 bilhões. Ao todo são 6,3 milhões de empresas com restrições devido a atrasos em seus pagamentos.

Desse total, 52,4% corresponde ao setor de serviços; 37,8% do comércio e 7,7% da indústria, além 0,4 de outros ramos de atividade; representando mais de 94% de toda a inadimplência empresarial do país. 

As micro empresas somam 77,9% do total de empresas registradas no CNPJ, destas cerca de 75% estão enquadradas na modalidade de Microempreendedor Individual (MEI).

Criado em 2008, com o objetivo de formalizar a parcela mais vulnerável de empreendedores, o MEI atualmente passa por um necessário questionamento.

Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, constatou que 53% dos CNPJs/MEI são empregados de outras empresas, ou seja, não são empreendedores de verdade; algo que indica problemas no desenho do programa, que incentiva a pejotização como fuga de encargos trabalhistas e previdenciários em folha.

Os dados servem de alerta para o próprio governo o qual criou a modalidade MEI em uma de suas gestões anteriores e que hoje trava um embate judicial (essencialmente com o Senado) pelo fim das desonerações sobre a folha de pagamento das empresas, instituído por seu antecessor.

Estudo da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, constatou que 53% dos microempreendedores individuais, na verdade, podem estar trabalhando na condição de empregados de outras empresas, e não empreendendo seus próprios negócios - Foto: Reprodução.

O levantamento pelo feito pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), utiliza dados de 2008 a 2019, período em que foram criados mais de 9 milhões de MEIs. O resultado da pesquisa considerou que os contratos MEI e CLT praticamente competiam na preferência das empresas nas contratações de pessoal.

Uma constatação interessante, é que os contratos por MEI se aceleraram a partir da instalação de redes móveis de internet 3G, tendo em vista que o acesso à internet facilita muito o trabalho do microempreendedor, levando-se em conta também, que entre 2008 e 2011, o registro de novos CNPJs na modalidade, passou a ser feito pela internet. 

A internet também facilita o recolhimento de impostos dos Microempreendedores Individuais por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), conforme observa a economista Bruna Alvarez Mirelli, responsável pela pesquisa.

O estudo, da FGV, demonstrou que 53% daqueles que optam pelo MEI, ficam na ilegalidade, ou seja, são empregados de outras empresas (mesmo com CNPJs próprios), e que 47% se tornaram microempreendedores de verdade.

Mas a pesquisadora também salienta que a diminuição dos contratos CLT e o aumento do MEI, não quer dizer necessariamente que as pessoas simplesmente adotaram a pejotização para se manterem empregadas; uma significativa parcela, segundo ela, praticam empreendedorismo de fato.

Bruna Mirelli acredita que o custo de contratação via CLT é o fator que mais influencia. A redução desses custos, certamente ajudaria na redução das ilegalidades constatadas.

Outro estudo ligado à Fundação Getúlio Vargas, mas desta vez do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre FGV), mostrou que o MEI responde por quase todo o crescimento do número de CNPJs no Brasil; que passou de 750,2 mil em 2009 para quase 4 milhões em 2023. Em 2021, 63% haviam sido demitidos de um emprego formal CLT.

Um dado interessante colhido pelo Ibre em outra abordagem de 2022, é que mais de 30% dos MEIs tinham ensino superior, enquanto que apenas cerca de 13% é composto por pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (o público alvo do programa).

A renda média de 56,4% dos MEIs é de dois salários mínimos; percentual maior que o número de empregados que trabalham de carteira assinada, que é de pouco mais de 32%.

Precarização do trabalho

A pauta sobre a precarização do trabalho evoca algo que sempre fez parte da paisagem nacional. Mesmo garantindo uma série de direitos trabalhistas desde 1943 (ano em que foi instituída a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), o Brasil nunca conseguiu implementar de fato, tais garantias à maciça maior parte dos trabalhadores.

Até o início da década de 2000, metade da população em idade ativa, trabalhava sem carteira assinada no Brasil e não há indício pior, de precariedade laboral do que isso. É o que traz o comentarista de economia do jornal O Estado de S.Paulo, Celso Ming, em sua coluna do último dia 23.

Principalmente para os pequenos empreendedores, o desafio no recolhimento de taxas e contribuições embutidas na folha de pagamento de seus funcionários, é um verdadeiro calvário. Assim, algumas flexibilizações na formalização das atividades remuneradas, passaram a ser vistas como "precarização" do trabalho.

É o que pode sugerir a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas sobre a situação dos MEIs no Brasil. Portanto, o verdadeiro conceito de trabalho precarizado pode estar mais relacionado à informalidade, do que em formas flexíveis de formalização. Além do mais, o que parece ser mais importante para o governo, é a diversificação de fontes de arrecadação do que propriamente, garantir proteção a trabalhadores. 

Previdência

Fernando de Holanda Barbosa, pesquisador do Ibre ouvido pelo jornal Valor Econômico, acredita que o MEI se tornou uma nova modalidade para as pessoas se manterem ativas no mercado de trabalho; o problema é que o subsídio previdenciário um dia terá de ser pago.

Direcionado à população mais vulnerável, o MEI tem alto nível de subsídio do governo com relação às contribuições previdenciárias, limitadas a 5% do salário mínimo (cerca de R$ 70,60 em 2024). Enquanto quem trabalha via CLT contribui com 34% entre empregado (com faixas de alíquotas que variam de 7% a 14%) e o patrão (com 20%).

Com o aumento das contratações de MEIs por empresas, o buraco nas contas da previdência tende a se acentuar ainda mais. Para o especialista em previdência, Rogério Nagamine, o déficit atuarial dos MEIs com a previdência pode girar em torno de R$ 1,4 trilhão no futuro. 

De acordo com os cálculos de Nagamine, os MEIs representam 10% do total de contribuintes do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), mas na arrecadação, essa participação é de apenas 1%.

Para Fernando Barbosa, o que mantém a previdência solvente no pagamento de aposentadorias e benefícios, é justamente contribuições ao redor de 30% rateados entre patrões e empregados; sem isso, o modelo previdenciário fica insustentável no longo prazo.

Propostas

O estudo de Bruna Alvarez Mirelli (FGV EESP), elenca propostas para a reversão das distorções observadas:

  1. O fim do MEI
  2. Eliminação da pejotização
  3. Elevar a fiscalização e 
  4. Reduzir os encargos trabalhistas

Caso fosse adotado apenas a última proposta, o número de MEIs teria apenas uma queda marginal, passando de 61,5% para 60,9%. Embora os pejotizados caiam no mercado de trabalho, também numa média marginal de 33% para 32,4%, a proporção subiria dentro desse universo de MEIs de 53% para 54%.

Porém, diferente dos demais cenários, a redução dos encargos trabalhistas acarretaria num aumento médio de salários para trabalhadores de CLT na ordem de 2,4% e de quase 5% para pejotizados.

A pesquisadora concluiu que com a redução dos encargos trabalhistas sobre a folha de pagamento, a demanda por trabalhadores se eleva, bem como também, seus salários. Desse modo, o estudo chega à mesma conclusão de outros anteriores de que apesar de ilegal, as pessoas prefiram essa nova modalidade de trabalho, pela liberdade e por ser menos onerosa.

Como complemento a essas propostas, seria interessante a determinação de perfis que caracterizem um MEI para diferencia-lo da mera pejotização. 

Para isso, é essencial que o MEI tenha pelo menos mais de dois contratos fixos (essencialmente prestadores de serviços) e cobrança da contribuição cheia de 14% para MEIs que tenham contratos fixos com uma única empresa e a contribuição de 20% da empresa contratante para a previdência.

Ou a adoção de um novo modelo previdenciário capitalizado, criado especialmente para MEIs.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rio Verde moderna

 Dando seqüência ao último post, em comemoração ao aniversário de 164 anos de Rio Verde, no próximo dia 05 de agosto, vamos iniciar de onde paramos: a década de 1960, quando relatei que a cidade enfim, inebriava-se num breve período onde a dupla Mauro Borges (governador do Estado) e Paulo Campos (prefeito), inaugurava uma fase onde o centro de Rio Verde passava por sua modernização.   Ruas de terra ou calçadas com paralelepípedo em basalto davam lugar ao asfalto. O paralelepípedo teve uma outra destinação, e foi usado como guias de sarjetas das novas ruas recém-pavimentadas.  Os postes que sustentavam a rede de energia elétrica de aroeira, deram lugar a modernos postes de concreto e uma iluminação pública mais potente ganhava as ruas da cidade. Tudo da energia provida de Cachoeira Dourada.  Conta-se que a primeira rua a ser pavimentada foi a Rua João Belo, (atualmente, Rua São Sebastião no centro antigo de Rio Verde). E o asfalto ficou tão bom, que a n...

OVNIs ou 'DROVNIs'?

Recentemente, o mundo presenciou o que para muitos, pudesse se tratar do avistamento de Objetos Voadores Não Identificados, mais conhecidos por sua abreviatura OVNI; ou UFO, em seu acrônimo no idioma inglês; os avistamentos puderam ser mais presenciados no estado norte-americano de Nova Jersey, e ao contrário de outros aparecimentos do tipo, de quase dois anos atrás, estes trazem alguns elementos novos. Diferente dos avistamentos de fevereiro de 2023, os OVNIs que surgiram em dezembro de 2024, demonstram ter luminosidade própria assemelhados a orbes. Outra característica, são os movimentos incomuns desses objetos que podem variar de velocidade em questão de poucos segundos, seja acelerando ou arrefecendo seu ritmo.  Supostos OVNIs gravados em vídeo no estado de Nova Jersey (EUA) em dezembro de 2024 - Foto: @_bucky/ Tik Tok/ Daily Mail. No entanto, poucos se arriscam a dizer com certeza, o quê, realmente se trata os objetos voadores, vistos no nordeste dos Estados Unidos; mas muitos...

Neoliberalismo X Keynesianismo

Texto revisado 23 de maio de 2012 por Marcio Marques Alves    Nos antagonismos das ideologias econômicas, sempre vemos florescer os debates sobre as correntes de pensamento que envolvem duas delas, ou suas maiores protagonistas do cenário econômico. Nesse contexto existe uma disputa à qual teve início já com o questionamento dos Estados Modernos do século XVI, despertando a ira daqueles - defensores do livre mercado e contrários a toda a concentração de renda e poder que havia em torno do Estado na figura das monarquias absolutistas -, através de impostos e extravagâncias da corte.   Mais ira se despertou ainda, com a infeliz frase de um monarca francês: "L'État c'est moi " (O Estado sou eu), que só pôde ser vingada em seu sucessor em 1789. Antes, outra revolução burguesa (a gloriosa), desta vez na Inglaterra, já havia dado ao país sua primeira Constituição e o seu parlamento, o que permitiu à Inglaterra ser a potência dos séculos XV...