Artigo de João Paulo da Cunha Gomes
A felicidade é o objetivo do objetivo supremo de cada indivíduo. A felicidade do maior número de pessoas é o que almeja a sociedade.
Pretendeu-se, dentre outras coisas, quando se pensou no conceito de liberdade, no século XVIII, que esta criasse as condições para que os homens buscassem a felicidade através do desenvolvimento de suas aptidões, visando sua participação na vida política.
Idealizou-se que o Estado não deveria interferir na iniciativa individual, limitando-se a garantir outros serviços considerados essenciais à coletividade.
A livre concorrência, associada às aptidões pessoais dos indivíduos, se encarregaria de harmonizar a vida em sociedade.
Trata-se do liberalismo, que possui como sua principal obra propagandística "A Riqueza das Nações", escrita por Adam Smith em 1776.
Ocorre que essa tal liberdade, após a derrubada do Antigo Regime, na prática não se associou aos outros dois conceitos que também ilustraram o pensamento iluminista: a igualdade e a fraternidade.
E, assim sendo, uma vez que nem todos tiveram as mesmas oportunidades e condições de poder competir, a renda e as riquezas concentraram-se nas mãos de minorias, que, movidas pela mesma liberdade, passaram a explorar a todos os demais.
E assim configurou-se a sociedade atual. Poucos têm tudo, alguns têm alguma coisa, e a imensa maioria nada tem; sendo certo que o muito dos poucos é proporcionado pelos braços da maioria da base da pirâmide social.
Mas a teoria diz que todos têm liberdade.
E configurou-se, pois, a moderna pirâmide social.
Quem está no topo precisa pisar firme nos que estão na posição intermediária, pois esta é composta por aqueles que estão mais próximos de tomar-lhe o poder, chegando ao cume.
E os que estão na posição intermediária, ao mesmo tempo que se agarram às pernas do que está em cima, tentando a todo momento puxá-lo para baixo, precisam calcar aqueles que estão na base, para impedir que estes consigam subir uma posição e igualmente briguem pelo topo.
Como a base é mais larga e muito mais numerosa, é preciso mantê-la pacificada, pois uma revolta pode significar a queda daquele que está no topo e a volta dos da intermediária ao solo.
Todos no chão, igualdade de condições. Em outras palavras, isso significa revolução. Essa ideia tem que ser mantida escondida.
E uma forma fácil é "demonizando-a", doutrinando os indivíduos, mantendo-os ocupados com preocupações menores.
E foi assim que o esquema da pirâmide social foi mantido.
Quem está na base não pode ter a noção de que aquele que está em cima assim se mantém às custas de sua força, e de sua ignorância quanto ao esquema.
Uma base sólida e forte mantém a estrutura injusta da pirâmide.
Toda política que visa melhorar a vida dos que estão na base, criando os meios e as condições necessárias para que ela tenha as oportunidades que historicamente lhe foram negadas, acaba sofrendo ódio justamente daqueles que situam-se no meio e no topo (talvez mais por parte dos da intermediária).
Portanto, eu entendo como uma defesa natural a do indivíduo da intermediária o fato de ele rotular e ironizar as políticas que pretendem a justiça social e a inclusão.
Afinal de contas, mais pessoas em condições de competir significa uma melhora no padrão de vida, o que, pelo menos em tese, pode implicar em uma diminuição significativa na incidência de braços escravos à sua disposição, sob suas ordens.
Não se almeja a igualdade, isso sempre causou repulsa às elites e à classe média.
O darwinismo social, durante muito tempo, foi uma teoria usada nos meios pseudo-intelectuais para se tentar justificar cientificamente as diferenças entre os homens, com relação à raça e à etnia, sendo uma maneira de se eliminar qualquer remorso que eventualmente pudesse resultar da exploração, uma vez que pretendeu-se, com isso, afirmar que os mais pobres e toda e qualquer outra etnia considerada inferior nasceram para servir à classe dominante, branca.
Isso sem falar na teoria cristã protestante da predestinação, que também contribuiu para moldar, filosoficamente, o esquema da exploração humana levado a efeito pelo capitalismo.
A análise se estenderia em muitos parágrafos, caso a intenção fosse incluir no tema o nazi-fascismo.
Portanto, é perfeitamente inteligível a origem do ódio aos pensamentos e políticas de esquerda.
Quem está no topo quer ser o eterno senhor de engenho, e quem está na intermediária não abre mão de ser capitão do mato, havendo a necessidade, para a perfeita estruturação do esquema, de existir os da base e seus braços acorrentados, a serviço dos do topo, vigiados pelos da base.
Mas é sempre bom lembrar as palavras do eterno mestre Marx, a saber "Os trabalhadores não têm nada a perder em uma revolução comunista, a não ser suas correntes".
Como ocorrerá a revolução, pela força? Acredito que não. Os tempos mudam e por este motivo as ideias também precisam adaptar-se.
A revolução certamente virá pela educação. Um povo instruído, educado e politizado jamais aceitará a exclusão, a exploração, as desigualdades, os mandos e desmandos dos opressores.
A educação é o único abalo sísmico capaz de danificar a estrutura da pirâmide da injustiça. Eis o porquê da mediocridade da educação: o status quo é mantido, sem questionamentos, pacificamente.
A prisão mais eficiente não tem paredes.
JOÃO PAULO DA CUNHA GOMES, é professor de história
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