Como já mencionado neste blog, as surpresas em relação ao posicionamento do papa Francisco sobre uma nova visão da Igreja em torno dos mais variados temas e assuntos, só enfatiza aquilo o que por inúmeras vezes era abafado nos bastidores dos embates dicotômicos entre o clero conservador e o clero dito 'progressista' - ou ligado à Teologia da Libertação. É mesmo algo que nos convida a uma reflexão de que a Igreja Católica [que há muito tempo já não é mais aquela da Idade média, como muitos ainda pensam], se renovou. Mas era preciso um papa não europeu para que a Igreja enfim assumisse o que há muito, outros papas hesitavam.
A exortação apostólica Evangelii Gaudium, publicado nesta terça-feira (26), mostrou mais uma vez o espírito renovador que toma conta da Igreja Católica na figura no novo Sumo-Pontífice. Embora não deixasse de reforçar também antigos posicionamentos da maior instituição religiosa cristã do mundo em relação ao aborto, por exemplo; o discurso do papa deu um puxão de orelha e tanto, nos defensores da libertinagem econômica conhecida no meio acadêmico de centro-esquerda como, neoliberalismo; e que não passa de uma versão reformulada do mau e velho liberalismo do século 19, em seu novo rótulo defendido pela direita como 'globalização'.
Em seu discurso, Francisco exalta os progressos da ciência no âmbito da saúde, da educação e das comunicações, porém ele chama a atenção ao fato de haver em sua maior parte, uma leva de pessoas que vivem com medo e desesperadas [mesmo em países ricos]. Cenários em que aumentam a descrença, a violência e a falta de respeito, fruto do aumento das desigualdades sociais provocadas por uma velha maneira de se praticar capitalismo, hoje renovado sob o novo rótulo modernista da globalização.
O texto do papa bate duro sobre os efeitos nocivos que a "nova" forma de se promover economia no mundo, afeta os mais necessitados; critica a imprensa por enfatizar mais a queda de alguns pontos na bolsa de valores, do que um idoso que morre de frio chamando situações como essas de, 'exclusão'. Ao passo que também exorta o fato de não haver mais a figura dos excluídos, mas tão somente 'sobras', ou indivíduos que sobram; pessoas consideradas como resíduos da sociedade, moradoras das favelas e periferias do mundo.
Critica veementemente aqueles que acreditam em teorias furadas que pressupõem que todo crescimento econômico por si só, consegue produzir maior equidade e inclusão social. De acordo com o discurso do papa, aqueles que compartilham dessa opinião - a qual o próprio texto aponta -, 'nunca confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante'. Para o papa é como se o mercado acreditasse que todos os problemas sociais do mundo se resolvessem numa ação natural provida pelo movimento do próprio capitalismo.
E o papa vai mais além, demostrando os efeitos psicológicos nocivos que acabam contaminando a mente e os corações de muitos pseudo cristãos [que se dizem católicos]: "Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização de indiferença".
Francisco chama a atenção para o surgimento de novos 'ídolos' dentro do atual estágio do capitalismo neoliberal; e o compara ao episódio da fundição do bezerro de ouro forjado pelos hebreus na ausência de Moisés, onde menciona que essa adoração encontrou eco "em uma nova e cruel versão de fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano". Vale ressaltar também o ponto mais importante do discurso papal que chama a atenção contrária aos defensores do livre mercado de que os desequilíbrios sociais gerados pelo capitalismo desenfreado provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira e essa seria, na visão do papa, a principal razão para que os defensores dessa tese neguem o direito de controle dos Estados Nacionais, encarregados de velar pela tutela do bem comum.
Por fim, o texto alerta sobre os riscos que tais ideias provocam anulando democracias, constituições nacionais e direitos individuais, onde se instaura uma tiraria invisível, às vezes virtual que impõe de maneira unilateral e implacável, suas leis e regras. O papa criticou também a situação de muitos países que se veem acorrentados à outros por meio de dívidas e juros, afastando esses países e suas populações de suas reais possibilidades e poder de compra; criticou também a corrupção; a degradação do meio-ambiente e enumerou a necessidade da defesa de uma reforma financeira que corrija todas as distorções provocadas pelo capitalismo voraz que se faz ostensivo no mundo atual.
"Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão."
[Papa Francisco]
"Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão."
[Papa Francisco]
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